Uma equipa de investigadores do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) e do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) publicou recentemente um trabalho na revista científica Genes and Development onde explica como é reativado o processo de transcrição dos genes quando as células se dividem. O modelo que apresentam clarifica um processo biológico até hoje algo enigmático. Este trabalho é por isso mais um passo para se perceber como, a partir de uma célula em divisão (divisão celular), se conseguem originar duas células idênticas à célula mãe.

Quando as células entram na fase de divisão condensam todo o material genético, que se encontra em grandes estruturas chamadas cromossomas. O nível de condensação é de tal ordem que suspende a atividade de transcrição na célula, ou seja, cessa a atividade de leitura das “receitas e orientações” inscritas no DNA que são essenciais para que a maquinaria celular continue a funcionar normalmente.

Como explica o investigador do i3S Diogo Castro, que liderou este trabalho iniciado quando a sua equipa se encontrava no IGC, “é como se as células encaixotassem os livros e encerrassem a biblioteca geral, para poderem dividir-se em duas células iguais, cada uma levando uma cópia integral dessa grande biblioteca”. Mas, antes de saírem completamente do processo de divisão, ainda com o DNA empacotado, elas retomam alguma atividade de transcrição de alguns genes. Essa retoma acontece por fases e é coordenada no tempo, começando por alguns genes específicos.

Como as células fazem essa retoma e como é que alguns genes conseguem ser transcritos com a “biblioteca fechada e os livros empacotados” tem sido um dos processos mais difíceis de explicar pelos investigadores. Uma das teorias defendia que alguns genes seriam sinalizados com determinados “marcadores de livros” antes do empacotamento para que, mais à frente, pudessem ser imediatamente reconhecidos pelos “ativadores da transcrição”.

O que a equipa de Diogo Castro vem agora demonstrar é que a presença e concentração de certos “ativadores” na proximidade dos cromossomas também tem um papel importante em instruir que genes, e quando, começam a ser transcritos.

“As características eletroestáticas e a capacidade de interação dos fatores de transcrição (os tais ativadores) com o material genético é determinante para a célula decidir quais os genes que começam a ser transcritos, e quando”, explica por sua vez Mário Soares, primeiro autor do artigo. Isto é um mecanismo adicional à teoria mais prevalente dos “marcadores de livros” e vem dar força a outras hipóteses que já tinham sido aventadas. Na verdade, “a ativação da transcrição resulta também de interações não específicas e aleatórias dos fatores de transcrição com o DNA durante o empacotamento”, esclarece Diogo Castro.

Neste estudo, que contou com a colaboração da investigadora Raquel Oliveira, do IGC, e de investigadores do Reino Unido, a equipa utilizou células estaminais neurais em cultura e acompanhou este processo com recurso a técnicas de microscopia que garantem uma resolução temporal muito detalhada. Desta forma, monitorizaram dois “ativadores” de transcrição bem conhecidos e estudados das células estaminais neurais, de forma a descobrirem quando e onde entravam em ação.

Na verdade, sublinha Diogo Castro, “este processo é essencial para compreender como é que cada célula fica novamente operacional assim que sai do processo de divisão. Cada passo é essencial para a célula retomar a sua função específica e tornar-se numa célula igual à célula mãe”.

Compreendermos este processo, finaliza Mário Soares, “dá-nos não só  ferramentas para o poder alterar, com vista a tentar manipular as características das células que resultam dessa divisão, mas também nos permite perceber o que se altera quando uma célula, ao dividir-se, «decide» dar origem a  células diferentes, por exemplo neurónios”.