Algumas lebres-americanas conseguem não mudar de cor sazonalmente, o que poderá ter implicações na capacidade de sobreviver às alterações climáticas.

Uma equipa científica internacional, que inclui os investigadores do CIBIO-InBIO José Melo-Ferreira e Paulo Célio Alves, revelou num artigo publicado pela revista Science como a lebre-americana consegue manter a camuflagem todo o ano, mudando ou não a cor da pelagem sazonalmente.

O estudo demonstra que a incorporação de variantes genéticos de outra espécie de lebre leva a que alguns indivíduos não mudem de cor, o que poderá ter implicações na capacidade da lebre-americana sobreviver às alterações climáticas.

São conhecidas pelo menos vinte e uma espécies que mudam a cor da sua pelagem ou plumagem de castanha no Verão para branca no Inverno. Esta aptidão permite aos indivíduos camuflarem-se na neve, diminuindo a probabilidade de serem predados. A lebre-americana (Lepus americanus) é uma dessas espécies, mas as populações da região costeira do Noroeste Pacífico do continente Norte Americano permanecem castanha todo o ano. Esta observação levou uma equipa de investigadores a levantar a questão “O que explica que algumas populações mantenham a cor castanha no Inverno?“.

Conduzido por investigadores da Universidade do Porto e da Universidade de Montana (Estados Unidos), o estudo contou com a participação de sete instituições. A equipa analisou o genoma completo de lebres-americanas em populações do Noroeste Pacífico, onde indivíduos brancos e castanhos coexistem no Inverno.

A investigação revelou que a diferenças de cor no Inverno são determinadas por variação genética que interfere na regulação do gene Agouti, um gene envolvido na pigmentação e que está activo na muda de pelo no Outono, quando os dias começam a ficar mais curtos. “Nos indivíduos que mudam para branco o gene está muito mais activo do que nos que permanecem castanhos, o que explica a diferença de cor no Inverno” refere José Melo-Ferreira, coautor correspondente do artigo.

Mas as revelações deste trabalho não ficam por aqui. Num trabalho anterior da equipa, José Melo-Ferreira e Paulo Célio Alves tinham demonstrado que a lebre-americana e a vizinha lebre-de-cauda-negra (Lepus californicus) se cruzaram no passado. Os resultados agora tornados públicos mostram que isso foi crucial neste processo.

“Uma descoberta notável foi que a informação genética responsável pela cor castanha durante o Inverno, na lebre-americana, foi introduzida nesta espécie através do cruzamento com a lebre de- cauda-negra, que permanece castanha todo o ano”, diz Paulo Célio Alves. Este processo, denominado introgressão, permitiu a adaptação a um ambiente com menos neve sazonal, através da manutenção da camuflagem.

“Enquanto que a muda para branco é ativada pela duração do dia, que não será alterada, a eficiência da camuflagem depende da cobertura de neve, que está a diminuir”, refere José Melo- Ferreira. A chegada tardia dos Invernos e o degelo antecipado, resultantes das alterações climáticas, poderão ter impacto na sobrevivência dos animais que mudam sazonalmente de cor.

Num outro estudo recentemente publicado por investigadores desta mesma equipa, foi sugerido que a existência de populações compostas por indivíduos brancos e castanhos durante o Inverno confere um maior potencial para que estas espécies se adaptem às alterações climáticas, através de um processo denominado resgate evolutivo. Se a cor castanha de Inverno for favorecida pela alteração do ambiente, a tendência é que se torne mais frequente.

De acordo com José Melo-Ferreira “olhando para o que aconteceu no passado com a lebre-americana conseguimos prever melhor o futuro”. Assim “se a existência de variação de cor no Inverno foi um mecanismo importante para a persistência da espécie em ambientes com neve sazonal mais efémera, será seguramente fundamental para a adaptação rápida desta e de outras espécies às alterações climáticas em curso”, conclui.