Num artigo publicado esta semana pela revista científica Proceedings of National Academy of Sciences, uma equipa que inclui os investigadores do CIBIO-InBIO Miguel Carneiro, Sandra Afonso, José António Blanco-Aguiar e Nuno Ferrand demonstrou como a domesticação teve um efeito profundo na morfologia cerebral do coelho, tornando-o menos suscetível ao medo e mais manso.
Em A Origem das Espécies, Charles Darwin já afirmava que “nenhum animal é tão difícil de domar quanto os juvenis do coelho selvagem”, enquanto “poucos animais são tão mansos quanto os juvenis do coelho doméstico”. O comportamento manso e a falta de medo de humanos são características comuns a todos os animais domésticos. Mas, o que explica diferenças comportamentais tão acentuadas?
Num estudo anterior, a equipa de investigadores já tinha demonstrado que “há diferenças genéticas entre coelhos domésticos e selvagens, principalmente nos genes relacionados com o desenvolvimento do cérebro”, explica Nuno Ferrand. “No presente estudo, foi usada a ressonância magnética de alta resolução para aferir se essas alterações genéticas resultam em diferenças na morfologia cerebral”, conta Miguel Carneiro, um dos autores principais do artigo agora publicado.
A equipa liderada por investigadores do CIBIO-InBIO, do KTH Royal Institute of Technology e da Uppsala University (Suécia) analisou oito coelhos selvagens e oito coelhos domésticos, criados nas mesmas condições, e descobriu diferenças fundamentais entre os seus cérebros.
Os coelhos domésticos são em média maiores e mais pesados que os coelhos selvagens. O atual estudo demonstra que o cérebro dos coelhos domésticos tem, contudo, um volume proporcionalmente menor do que o dos coelhos selvagens. Para além disso, mostra que os coelhos domésticos têm uma amígdala reduzida e um córtex pré-frontal medial aumentado. Por último, revela que há uma redução generalizada na massa branca dos coelhos domésticos.
Estes resultados sugerem que o comportamento manso e com menor reação de fuga por parte dos coelhos domésticos pode ser explicado pelo facto de terem a área cerebral envolvida no processamento do medo (amígdala) de menores dimensões e a área envolvida no controle do comportamento emocional (córtex pré-frontal medial) de maiores dimensões. A quantidade reduzida de massa branca no cérebro dos coelhos domésticos sugere ainda que estes têm um processamento de informação comprometido, o que pode ajudar a justificar as reações mais lentas e calmas.
Este foi “o primeiro estudo sobre domesticação animal a explorar em profundidade alterações na morfologia cerebral e demonstra que as diferenças genéticas associadas à domesticação, previamente observadas, terão levado à reestruturação do cérebro e consequentemente a todo um repertório de mudança comportamental”, avança Miguel Carneiro. De acordo com Nuno Ferrand as conclusões agora tornadas públicas, “poderão ter grande importância quer para a crescente compreensão da domesticação, quer para o entendimento básico de como a morfologia cerebral influencia comportamentos complexos como a resposta ao medo”.