Uma equipa internacional liderada por investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO/BIOPOLIS), da Universidade do Porto, da Universidade de Tulsa e da Escola de Medicina da Universidade de Washington, acaba de publicar um estudo na prestigiada revista Current Biology, em que identifica pela primeira vez um processo enzimático que produz a coloração vermelha em animais vertebrados, nomeadamente as aves e os peixes.

Os cetocarotenóides são pigmentos responsáveis pelas cores vermelhas em muitos animais vertebrados, e são tipicamente convertidos por um processo enzimático a partir de outros carotenóides adquiridos pela dieta. Este é um processo biológico comum na natureza, mas cujos detalhes iludem cientistas há décadas. Em 2016 a mesma equipa tinha já publicado na mesma revista científica a descoberta da primeira enzima implicada neste processo, uma cetolase designada CYP2J19.

“No entanto, posteriormente constatámos que a ação desta enzima não era suficiente para sintetizar os cetocarotenóides, por isso continuamos à procura de outras enzimas que pudessem estar implicadas neste processo enzimático. Finalmente, neste artigo demonstramos que em várias espécies de aves há uma outra enzima que está envolvida, uma desidrogenase designada BDH1L”, explica Miguel Carneiro, investigador do CIBIO-InBIO/BIOPOLIS e coordenador da equipa portuguesa.

“Ainda mais importante foi constatar que estas duas enzimas apenas são suficientes para fazer a conversão: a CYP2J19 atua primeiro em carotenóides amarelos que são adquiridos pela dieta, transformando-os em zeaxantinas, que são depois transformadas em cetocarotenóides pela BDH1L”, diz Cristiana Marques, coautora do estudo e estudante de doutoramento no CIBIO-InBIO/BIOPOLIS. “E isto é muito relevante porque nos permite compreender todo um processo metabólico que é simples, mas vital, para a biologia de muitos animais” acrescenta Miguel Carneiro.

A cor da evolução

Depois desta descoberta, os investigadores foram ainda mais longe, e tentaram saber se o mecanismo de produção de cetocarotenóides seria semelhante noutros vertebrados. Através de estudos com peixes danio-pérola (Danio albolineatus) verificaram que duas enzimas, semelhantes às utilizadas pelas aves, eram as únicas envolvidas na produção de cetocarotenóides.

“Isto demonstra que este mecanismo é utilizado por grupos de vertebrados com uma história evolutiva muito distinta”, nota Pedro Miguel Araújo, coautor, investigador do CIBIO-InBIO/BIOPOLIS e do MARE, Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, na Universidade de Coimbra.

O diamante-papagaio (Erythrura psittacea) e os peixes danio-pérola (Danio albolineatus) foram duas das espécies de vertebrados utilizadas neste estudo (Foto/Composição: Ricardo Jorge Lopes)

Miguel Carneiro realça que “o fato de termos identificado o mesmo tipo de processo enzimático, que terá evoluído independentemente em aves e peixes, sugere que a utilização deste mecanismo de produção de cetocarotenóides pode ter surgido várias vezes durante a evolução, em diferentes grupos de vertebrados”.

A mesma posição é partilhada por Ricardo Jorge Lopes, coautor do artigo agora publicado e primeiro autor do artigo de 2016. Para o também Curador de Aves no Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto (MHNC-UP), “a descoberta deste processo enzimático de biossíntese de cetocarotenóides tem profundas implicações para compreendermos como a evolução da utilização da cor, muitas vezes como indicadora da sua condição física, estará relacionada com outras importantes funções metabólicas nos vertebrados”.