Parte do trabalho de campo para o estudo foi realizado na ilha de Santa Maria, nos Açores. (Foto: DR)

Num artigo publicado pela prestigiada revista Biological Reviews, uma equipa internacional liderada pelos investigadores do CIBIO-InBIO, Sérgio Ávila, Carlos Melo, Ricardo Cordeiro e Lara Baptista, demonstra que, nas ilhas oceânicas vulcânicas, as alterações climáticas globais podem influenciar de forma diferente a evolução das espécies marinhas e terrestres.

As ilhas oceânicas, em especial as ilhas vulcânicas, reúnem uma série de características que as tornam verdadeiros laboratórios naturais para o estudo da Evolução: são corpos de terra isolados pelo mar, onde as alterações geológicas intensas constituem um ambiente altamente dinâmico e propício a rápidas mudanças ecológicas e evolutivas. Foi exatamente nestes locais que os autores do artigo, agora publicado, foram recolher os dados para a construção de um modelo inovador no estudo da Biogeografia marinha e da Evolução.

Segundo Sérgio Ávila, primeiro autor do artigo, “o modelo proposto é novo, pois reúne os aspetos históricos e ecológicos que influenciam a distribuição geográfica de espécies nos ecossistemas litorais marinhos. Integramos também informação proveniente de diferentes áreas da biologia, da paleontologia e da geologia que, até à data, não tinham sido correlacionadas entre si”. O resultado é um novo modelo de biogeografia marinha com capacidade preditiva, e que demonstra que as alterações climáticas do passado, e as consequentes oscilações no nível da água do mar, influenciaram a evolução da biodiversidade marinha de maneira diferente do que ocorreu com os organismos terrestres.

“Um dos nossos principais objetivos era perceber o impacto das oscilações do nível dos oceanos nos organismos marinhos encontrados em torno de ilhas vulcânicas. Estávamos interessados principalmente nas oscilações que ocorreram durante o Plistocénico, quando alterações no clima levaram a episódios recorrentes de transições entre períodos glaciais e interglaciais. Note-se que, por exemplo, durante o último estádio glacial (há cerca de 18 mil anos), o nível das águas do mar desceu até 130 metros abaixo do atual, e isto obviamente teve impactos profundos nas comunidades marinhas insulares por todo o globo”, explica Sérgio Ávila.Apesar de já existirem modelos para o estudo dos processos evolutivos em ilhas oceânicas, os  mesmos tinham sido aplicados maioritariamente para o estudo de espécies terrestres. No meio marinho, estudos anteriores efetuados pela mesma equipa tinham já concluído que a área litoral (isto é, a área compreendida entre a zona entre-marés e os 50 m de profundidade), era o principal fator explicativo do número de espécies marinhas litorais encontradas em arquipélagos.

Neste novo estudo, e para que fosse possível transpor os modelos terrestres existentes para o ambiente marinho, os investigadores calcularam a variação na área litoral ao longo dos últimos 150 mil anos, em função das oscilações no nível do mar. Ao todo foram analisados onze arquipélagos e ilhas vulcânicas localizadas no Oceano Atlântico.

As ilhas vulcânicas não são todas iguais e a história geológica de cada uma influencia a área litoral e, consequentemente, a riqueza de espécies marinhas aí encontrada. Sérgio Ávila ilustra que “se compararmos ilhas com áreas terrestres similares e localizadas a latitudes semelhantes, verificamos que a idade geológica das ilhas é um fator determinante, uma vez que em ilhas jovens, a área litoral é menor do que em ilhas mais antigas. Assim, ilhas mais antigas terão, à partida, maior número de espécies marinhas litorais do que ilhas mais recentes.

O novo modelo explica também como estão relacionadas entre si diversas variáveis fundamentais tais como as taxas de imigração, colonização, especiação e de extinção no meio marinho, em função das alterações climáticas globais ocorridas ao longo do tempo geológico.

O modelo proposto neste artigo adequa-se melhor ao estudo das ilhas vulcânicas tropicais, subtropicais e de zonas temperadas. Nestes locais, onde estão situados os principais hotspots de biodiversidade, as espécies marinhas terão sido intensamente influenciadas pelas alterações ocorridas durante as glaciações do Plistocénico.

Compreender a evolução de espécies marinhas, em ilhas vulcânicas de zonas distintas, ajuda a perceber melhor a biodiversidade destes ecossistemas. O estudo agora publicado traz, portanto, um importante contributo à teoria da biogeografia insular, ao integrar pela primeira vez e de uma forma sistemática, os sistemas marinhos. Para além disso, abre novas oportunidades para o desenvolvimento de modelos ainda mais complexos que ajudem, por exemplo, a prever de forma mais robusta o impacto das alterações climáticas atuais na biodiversidade marinha.