O adiamento de um largo número de endoscopias e colonoscopias, em consequência da pandemia de COVID-19, poderá prejudicar o rastreio e a vigilância de alguns dos cancros mais frequentes na população portuguesa. Esta possibilidade é reconhecida por Mário Dinis-Ribeiro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e investigador do CINTESIS, num artigo publicado na Nature Reviews – Gastroenterology & Hepatology.

De acordo com o responsável, “a COVID-19 está a afetar a endoscopia gastrointestinal, quer a nível do diagnóstico, quer da terapêutica, e irá continuar a afetar no futuro”. A solução é adaptar as práticas diárias, realizando uma triagem e uma estratificação do risco em todos os doentes que necessitam de endoscopia e até adiando os procedimentos considerados não urgentes.

O objetivo é proteger os profissionais de saúde, que estão especialmente expostos à infeção, sobretudo perante a escassez de equipamentos de proteção individual (EPI), e os doentes, especialmente os de maior risco, como os que sofrem de doença cardíaca, doença pulmonar, cancro e os que têm o sistema imune comprometido.

“Os médicos devem pesar cuidadosamente, caso a caso, os benefícios da endoscopia e o risco de infeção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Isso pode ter um impacto significativo nos cancros diagnosticados e tratados com endoscopia, como o cancro gástrico e o cancro colorretal”, afirma o especialista, que exerce atualmente funções como presidente da Sociedade Europeia de Endoscopia Gastrointestinal.

Além dos doentes que viram as suas endoscopias e colonoscopias adiadas, existem muitos doentes que cancelaram os exames ou não compareceram por medo de serem infetados pelo novo coronavírus, assim como profissionais das unidades que foram alocados a outros serviços ou que estiveram em isolamento ou em quarentena por causa da COVID-19.

Falta de exames terá impacto na sobrevivência dos doentes

Mário Dinis Ribeiro admite que a falta de rastreio destes cancros possa afetar milhões de pessoas em todo o mundo e que os efeitos a curto prazo são ainda desconhecidos. Um dos maiores receios é que muitos cancros deixem de ser detetados em fases iniciais, o que terá um impacto substancial no tratamento e na sobrevivência dos doentes.

Espera-se que os exames de diagnóstico e vigilância possam ser reagendados “o mais rapidamente possível”. Contudo, ainda há muitas questões em aberto, como, por exemplo, a da priorização de doentes para realização de endoscopia, enquanto a pandemia durar.

Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde emitiu uma Norma que sublinha o elevado risco destes procedimentos, devido à “proximidade com a via aérea, contacto com secreções contaminadas e geração de aerossóis”, e recomenda medidas específicas a adotar por doentes e profissionais na reorganização destes serviços, de modo a diminuir o risco de transmissão do SARS-CoV-2 e controlar a disseminação da COVID-19.