Decidimos a forma como vivemos? Ou foi um hábito que ganhou vinco com o tempo? Uma adaptação ao que julgamos ser a norma social. Gostamos da vida que temos? Tivemos escolha? Haverá sempre não um, mas vários porquês. Retrato, o premiado documentário de Carlos Ruiz Carmona que vai passar na “sala” da Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto, no próximo dia 14 de abril, abençoa-nos com uma intimidade rara. Sabemos que pontos de interrogação desenham o sobrolho que acompanha o olhar. O que está aquém e além dele. Nem sempre se tem a real noção do material com que se constrói as paredes que erguemos, no dia após dia.

De um lado: “Levantas-te, abres as janelas, fazes a cama, tens de limpar a casa, fazer a comida, lavar… ‘Não se pode fazer tudo’… Eu sei. Gostava de fazer como o teu pai… Levanta-se e vai dar uma volta para apanhar sol… Vai buscar o pão e depois, pés ao alto para ver os concursos de televisão. E eu? A criada. O que sou sempre! A comida pronta, a mesa posta…’ Já podes vir comer’. Depois tenho de lavar tudo, quando chego à sala, à tarde. Já estou cansada!”

Do outro lado: “A obsessão dela com a casa é o seu maior defeito. Tudo bem ter as coisas limpas, mas ela exagera. E quando faço alguma coisa, é a pensar nela. Mais do que a pensar em mim. E é isso”.

(Imagem: DR)

O silêncio onde cabe tudo

Sabemos… Há quem saiba que o silêncio amplia. É onde cabe tudo, nomeadamente o que nem sempre se diz. Como o contexto em que se nasceu e que moldou pensamentos e atitudes. Ditou uma ética e uma moral da qual não se consegue escapar. À palavra “casamento”, esta geração associa a frase: “até que a morte nos separe”. É também, descobrimos, uma geração que teve gerir a miséria e a opressão, heranças da Guerra Civil Espanhola.

Retrato expõe um homem e uma mulher. São o pai e a mãe do próprio realizador. Daí este ser um dos seus trabalhos mais íntimos. As preocupações, esperanças, sonhos, vivências e sentimentos. É também o retrato de uma identidade. De uma origem. Às vezes confuso ou desfocado, traz recordações que fazem questionar o passado, o presente e o futuro, num debate sobre a vida que é sempre um contínuo em perpétua mudança.

Como fazer, com consciência, isto de viver? Afinal, quem somos? E por que somos assim?

Vencedor do prémio de  melhor documentário espanhol no Festival Documental Madrid 2006, Retrato tem exibição marcada para as 21h30 de 14 de abril, no Auditório da Casa Comum. A entrada é livre, ainda que limitada à lotação do espaço.

Sobre Carlos Ruiz Carmona

Nascido em Barcelona e com formação em Cinema no Reino Unido, Carlos Ruiz Carmona é realizador, investigador e professor. Doutor em Ciência e Tecnologia das Artes, com especialização em Cinema e Audiovisual (documentário) produziu várias curtas metragens e documentários, tendo já recebido vários prémios.

Atualmente a viver no Porto, é docente na Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes do Porto e Investigador integrado no CITAR. Coordena o grupo Cinema, Música, Som e Linguagem da AIM (Associação de Investigadores da Imagem em Movimento).