De fevereiro de 2021, com Instantâneos, de Rosi Avelar, até abril deste ano, a Casa Museu Abel-Salazar (CMAS) acolheu um ciclo de exposições nascido da vontade de colocar a obra gráfica do histórico médico, artista, professor e investigador da Universidade do Porto numa relação de diálogo com práticas artísticas contemporâneas. Intitulado O desenho contemporâneo em diálogo com a obra de Abel Salazar, o ciclo dá agora origem a um catálogo com o mesmo nome, editado pela U.Porto Press, que reúne o trabalho apresentado por Rosi Avelar, Mário Vitoria, Mário Bismarck, Sílvia Simões (cumulativamente curadora), Paulo Almeida, Bárbara Fonte e Martinha Maia.

A partir de exemplares recolhidos do acervo de Abel Salazar, e selecionados livremente pelos artistas, pediu-se que estes desenvolvessem diálogos gráficos, dando origem a novas propostas artísticas.

Uma das propostas foi “para além da pele que nos impede de ver” porque se quis “espreita o avesso”. Encontrar uma “frincha para dentro de nós e, pelo caminho, prestar homenagem ao Método Tano – Férrico celebrizado pelo médico que foi também professor, investigador e artista. O convite partiu da artista Martinha Maia. Anatemnõ foi o título da última exposição que se realizou e que terminou em abril de 2022, na Casa-Museu Abel Salazar .

Assistiu-se também à Leveza da Barricada, uma  exposição de Paulo Luís Almeida que foi ao encontro dos desenhos, a pastel de óleo, que Abel Salazar fez das carvoeiras do Porto. São desenhos produzidos nos finais dos anos 1930 e que Paulo Luís Almeida, também docente da FBAUP, associa a uma série de intervenções de rua que realizou no Bairro do Amial (Porto), inaugurado em 1938, como parte do programa de “habitação económica”, desenvolvido pelo Estado Novo.

A diversidade de campos de interesse de Abel Salazar levou Bárbara Fonte por caminhos que não tinha sequer previsto antes de visitar a casa. Descobriu um livro de caricaturas que o então estudante, de 15 ou 16 anos, tinha feito dos professores e é nesta altura em que a sátira salta para dentro do quadro e nascem as Coreografias do Riso.

Alguns dos desenhos expostos nasceram na região central do Oceano Atlântico, num arquipélago formado por dez ilhas vulcânicas. “Foi já há muitos anos que visitei um vulcão, em Cabo Verde…”, recordou Sílvia Simões, docente da Faculdade de Belas Artes da U.Porto e curadora do ciclo, que nos trouxe Deambulações gráficas.

Nascido em 1889, Abel Salazar pertenceu a um grupo de intelectuais vítimas da perseguição do antigo regime, o que fez com que tivesse sido expulso, em 1935, da Faculdade de Medicina. As suas preocupações sociais, cívicas e científicas ficaram marcadas no legado que deixou de vários escritos, pinturas e desenhos. Este ciclo quis realçar a versatilidade com que recorria ao desenho para marcar uma posição, nos mais diversos campos de atuação, desde as artes, das ciências humanas, das ciências exatas e das ciências da vida.

Pretendeu-se assim, como refere Sílvia Simões no prefácio do catálogo, incentivar o surgimento de “várias leituras, também elas divergentes, onde se identificaram meios e técnicas do desenho, processos e temas que potenciaram a relação expandida com o campo da prática do desenho”. O território de pesquisa era vasto, desde os desenhos preparatórios de apontamento, esquissos, esboços, passando por desenhos mais finalizados, até ao desenho / ilustração científica, todos se relacionaram e deram visibilidade à diversidade do espólio de desenhos, só possível porque se tratou dum homem que pensou o desenho como forma de entender e representar o mundo nas suas distintas dimensões.”

Como resultado, “foram detetados pontos de ligação e contaminação entre as obras da coleção e as práticas individuais que originaram sete momentos expositivos muito distintos”. Para além dos desenhos, texto e fotografias das exposições, o catálogo permite ainda prolongar o conhecimento do contexto e do pensamento dos autores através da realização de entrevistas, ou mais concretamente, diálogos com todos os artistas convidados.

O catálogo de O desenho contemporâneo em diálogo com a obra de Abel Salazar será lançado às 16h00, na CMAS.