Três projetos liderados por investigadoras da Universidade do Porto estão entre os oito premiados – com um valor que pode ascender aos 300 mil euros por projeto – pelo concurso lançado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito das comemorações dos 500 anos da primeira viagem à volta ao mundo, feita entre 1519 e 1522 pelos navegadores Fernão de Magalhães Juan Sebastián Elcano.

Um dos projetos distinguidos é o AMAZINGAMAZonian snake toxins: creatING value from bioresources e vai envolver investigadores de Portugal, Brasil e Equador na identificação, avaliação e valorização do potencial antimicrobiano de componentes dos venenos de serpentes que povoam a Amazónia Equatoriana.

Os venenos são fontes naturais de moléculas bioativas capazes de exercer funções biológicas diversas. Uma boa parte dessas moléculas corresponde às designadas toxinas, na sua maioria péptidos e proteínas. Assim, as toxinas de serpentes têm vindo a ganhar destaque como fontes naturais cruciais para o desenvolvimento sustentável das próximas gerações de biofármacos.

É neste âmbito que Paula Gomes (investigadora responsável pelo projeto) e Paula Gameiro (investigadora co-responsável pelo projeto), ambas docentes do Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP), integradas do Laboratório Associado para a Química Verde (LAQV-REQUIMTE), e co-adjuvadas pelos investigadores Cátia Teixeira, Ricardo Ferraz e Lucinda Bessa, da mesma Unidade de Investigação, estão a unir esforços para explorar o potencial de toxinas de serpentes amazónicas. O objetivo passa por tentar dar resposta a uma das maiores ameaças de saúde pública da atualidade: a disseminação de agentes infeciosos multirresistentes, desde bactérias ou fungos a parasitas da malária ou da leishmaniose.

O projeto AMAZING conta ainda com a participação de equipas do Instituto de Medicina Molecular e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, e com a colaboração de especialistas da Universidad Regional Amazónica e da Universidad Tecnológica Indoamérica (Equador), e da Universidade Estadual de Campinas (Brasil), no quadro da Red Internacional de Estudios de Venenos de Serpientes Ecuatorianas.

Paula Gomes é professora do Departamento de Química e Bioquímica da FCUP e investigadora do grupo Orchids do LAQV-REQUIMTE. (Foto: DR)

Uma viagem que mudou a humanidade

Outro dos projetos que acabam de obter financiamento por parte da FCT chama-se «Diversidade humana no espaço da circum-navegação de Magalhães: genética, história e cultura» e é liderado pela investigadora Luísa Pereira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S).

Focando-se nos “vários grupos humanos, diferentes e comparativamente exóticos quando comparados com o fundo mediterrânico que compunha a tripulação da frota de Magalhães”, este projeto “vai aplicar uma abordagem multidisciplinar (Biologia-Genética Populacional Humana, História Antropológica, Geografia-dinâmica populacional, e Artes e Comunicação de Ciência-tradução para linguagem leiga e narrativas visuais), centrada no contacto entre os diversos grupos encontrados durante essa viagem e representações subsequentes da diversidade humana”.

No fundo, explica Luísa Pereira, “estamos interessados na variabilidade humana ao longo do espaço – da Europa, à América, Sudeste Asiático, África e de volta à Europa – e também ao longo do tempo, pela comparação de populações e suas dinâmicas desde o início do século XVI até ao presente e pela contextualização de ambientes social, cultural e político nos quais foram representadas como diversas”.

O projeto divide-se em três work-packages distintos. O primeiro  consistirá num estudo de genética populacional dos povos conectados por esta viagem, incluindo o grupo heterogéneo de pessoas da Bacia do Mediterrâneo que viajou e os povos encontrados nos três continentes. “Vamos centrar-nos em algumas características fenotípicas como cor da pele, olhos e cabelo, e proporções corporais e genotipar um chip genómico com cerca de um milhão de variantes cobrindo todos os genes e relacioná-los com as medidas quantitativas destas características”, explica Luísa Pereira.

Os restantes work-packages contemplam uma contextualização antropológica e histórica da viagem de Magalhães – a cargo de Cristiana Bastos, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-Ulisboa) – e a realização de diversas  atividades de arte e comunicação  a desenvolver pela equipa de Comunicação liderada por Júlio Borlido, do i3S. Estas  incluirão uma instalação artística interativa, ferramentas educacionais, entre outras abordagens educacionais e artísticas pensadas de modo a “traduzir e disseminar as descobertas do projeto e imergir a sociedade em valores de multiculturalismo e igualdade baseados em diversidade”.

Luísa Pereira é a líder do grupo de investigação em Diversidade Genética do i3S. (Foto: i3S)

Em defesa das abelhas

O terceiro projeto distinguido pela CFT chama-se BEESNESS e vai juntar equipas do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Cardiff University (Reino Unido) e das universidades brasileiras UNICAMP e UNIOESTE num esforço de compreender e prevenir o declínio das abelhas na região do Vale do São Francisco.

Coordenada pela investigadora Laura Guimarães, do CIIMAR, a equipa, que envolve também especialistas em ecologia de abelhas brasileiras, toxicologia ambiental e química, vai estudar a gestão da polinização e da agricultura sustentável na maior região exportadora de frutas do Brasil, relacionando-as com a diversidade e dinâmica das populações de abelhas.

Para o efeito, serão investigadas áreas naturais e lavouras de manga e maracujá. O conhecimento da fauna apícola local permitirá ainda explorar até que ponto os agrotóxicos (pesticidas) utilizados nas culturas agrícolas convencionais interferem na dinâmica das populações de abelhas.

Laura Guimarães coordena o grupo de investigação em Toxicologia Ambiental Marinha e Costeira (METOX) do CIIMAR.

Mais de 2 milhões de financiamento

No total, a Fundação para a Ciência e Tecnologia vai distribuir um financiamento de 2,3 milhões de euros por oito projetos de investigação e inovação a realizar ao longo dos próximos três anos, em diferentes áreas associadas à circum-navegação.

Para além dos três da U.Porto, foram ainda contemplados mais cinco projetos liderados por equipas da Fundação Gaspar Frutuoso, do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Aveiro e da Universidade do Minho.

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