Um estudo internacional coliderado por Irina Gorodetskaya, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto, permitiu reunir um conjunto de dados atualizados sobre o fenómeno dos rios atmosféricos na Antártida. O trabalho, agora publicado na prestigiada revista Nature Reviews Earth & Environment, revela as incertezas decorrentes dos efeitos das alterações climáticas.

Os rios atmosféricos são corredores longos e estreitos de transporte horizontal e intenso de humidade na atmosfera e que transportam humidade e calor dos trópicos para os polos. São um fenómeno climático relativamente novo no domínio da meteorologia e do clima e a sua compreensão mudou muito na última década.

Pela sua própria natureza, os rios atmosféricos afetam fortemente os níveis de humidade, a precipitação e a temperatura nas regiões polares. A Antártida, o grande continente gelado que contém mais de 90% da água doce superficial do mundo, não é exceção.

Os últimos dez anos de investigação sobre este fenómeno climático mostram-nos que, embora os rios atmosféricos pareçam ter um efeito positivo no equilíbrio dos lençóis de gelo ao promoverem a queda de neve, podem também causar a fusão e instabilidade dos lençóis de gelo da Antártida, contribuindo assim para a perda de massa de gelo da Antárctida e para a subida global do nível do mar.

O facto é que a Antártida tem vindo a perder massa a um ritmo exponencial desde 1992, com perdas que atingem 150 mil milhões de toneladas de gelo por ano. “Neste contexto, os rios atmosféricos têm sido responsáveis tanto por compensar estas perdas, provocando grandes eventos de queda de neve, como por exacerbar esta perda de massa, induzindo mais eventos de degelo e instabilidade”, explica Irina Gorodetskaya, que liderou o estudo juntamente com Jonathan Wille (ETH, Suíça) e Vincent Favier (IGE, França)

Nuvens baixas e icebergues perto da Península Antárctica.

Nuvens baixas e icebergues perto da Península Antárctica. Os rios atmosféricos trazem nuvens e aumentam a queda de neve, mas também podem causar precipitação, derretimento da superfície e desintegração das plataformas de gelo. Foto de Irina Gorodetskaya.

Os conhecimentos adquiridos

Nos últimos 10 anos, tornou-se claro que os rios atmosféricos são extremamente importantes para a modelação do clima antártico.

O estudo “Atmospheric rivers in Antarctica”, destaca o papel preponderante dos rios atmosféricos na região antárctica e fornece informações sobre os seus factores, bem como sobre os seus impactos no clima antártico e no balanço de massas.

Segundo Irina, “entre os principais processos descritos neste estudo de revisão encontram-se padrões atmosféricos dinâmicos específicos desta região e que parecem influenciar tanto a formação de rios atmosféricos como a sua direção para a Antárctida, para além do impacto da convecção tropical e de fenómenos meteorológicos locais como os ventos de Foehn”.

O que é que o futuro nos reserva?

As alterações climáticas irão provavelmente provocar rios atmosféricos mais fortes, à medida que o aquecimento global aumenta o vapor de água atmosférico. Embora a atual queda de neve em grande escala, causada pelos rios atmosféricos, ajude a Antártida a ganhar alguma massa, também produz perdas através da fusão e desestabilização das plataformas de gelo.

Para Irina Gorodetskaya, que já liderou duas expedições à Antártida – em 2023 e em 2024 – para estudar os efeitos das alterações climáticas na região, “o impacto final é difícil de avaliar e prever devido a uma série de efeitos não lineares. O que aprendemos com a investigação recente é que, embora a contribuição do degelo causado pelos rios atmosféricos para o balanço total da massa antártica seja atualmente pequena, pode tornar-se significativa devido ao aquecimento global”, aponta a investigadora do CIIMAR.

Irina sublinha também a importância da investigação para compreender melhor estes efeitos: “estas incertezas e questões exigem esforços contínuos de observação e modelação para compreender como os rios atmosféricos evoluirão num clima em mudança”.

Compreender a relação entre os rios atmosféricos na Antártida e o balanço da massa de gelo é crucial para reduzir a incerteza nas projeções climáticas futuras, incluindo o impacto da Antártida na subida do nível do mar em todo o mundo.