Uma equipa internacional multidisciplinar, composta por investigadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto e do Instituto Nacional de Saúde e Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (Maputo, Moçambique), acaba de publicar um artigo na prestigiada revista Nature Rev Cardiology no qual procura analisar os avanços no conhecimento e na abordagem terapêutica da fibrose endomiocárdica tropical.
A fibrose endomiocárdica tropical é “uma doença rara, difícil de diagnosticar e de tratar e, por conseguinte, muitas vezes mortífera nos países em vias de desenvolvimento da África Subsariana, mas a que a Europa não deve ficar indiferente devido ao aumento das correntes migratórias”, avança Paulo Correia de Sá, docente do ICBAS, investigador RISE-Health e coordenador deste trabalho.
Descrita pela primeira vez há 75 anos, esta cardiopatia restritiva endémica de causa desconhecida, que afeta mais frequentemente crianças e adolescentes, “provoca uma fibrose no coração que o impede de dilatar causando dificuldade na circulação do sangue necessária ao desenvolvimento saudável do indivíduo”, explica o investigador.
“Apesar da melhoria das condições de vida e dos avanços no tratamento médico da insuficiência cardíaca, as técnicas cirúrgicas mais avançadas para o tratamento dos casos mais graves da doença continuam a ser do domínio de poucos especialistas a nível mundial, impedindo melhores registos na sobrevivência dos doentes”, acrescenta Paulo Correia Sá.
O trabalho agora publicado – com o título “Endomyocardial fibrosis: recent advances and future therapeutic targets” – na revista do grupo Nature, resulta do projeto de investigação PurinEMFpathy, que arrancou formalmente em 2017, financiado pela FCT/Aga Khan Development Network (AKDN).
Este projeto apresenta já resultados muito significativos, não só na procura por um diagnóstico mais precoce e não invasivo através da identificação de biomarcadores circulantes de doença pré-clínica e, consequentemente, de novos alvos terapêuticos dirigidos à fibrose cardíaca, mas também na vertente da capacitação técnica e científica dos profissionais de saúde e sensibilização das comunidades para o conhecimento da doença onde esta é mais prevalente.
Numa fase inicial do projeto, a componente de investigação fundamental resultante da análise anatomopatológica das amostras cirúrgicas com métodos de microcopia avançada foi realizada no ICBAS em parceria com a equipa moçambicana responsável pelo recrutamento e avaliação clínica dos novos doentes. Atualmente, porém, a capacitação de investigadores e a criação/melhoria das infraestruturas científicas locais realizada no âmbito do PurinEMFpathy permitirá a muito breve prazo começar a processar as amostras cirúrgicas em Maputo para estudos diferenciados com técnicas de cultura celular, imagem avançada e biologia molecular.
O investimento já realizado envolveu, ainda, a criação de um biotério na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Eduardo Mondlane para modulação da doença em animais de experimentação, “aproveitando a experiência nessa vertente da investigação já em curso no ICBAS”, esclarece Paulo Correia de Sá.
Apesar dos avanços científicos para conhecer melhor a fisiopatologia e curso natural da doença e do declínio na sua incidência e prevalência em algumas partes do mundo, a fibrose endomiocárdica continua a ser uma das principais causas de insuficiência cardíaca e morte prematura em crianças e jovens de regiões com poucos recursos. Por isso, justifica-se continuar a investir na investigação até que surjam novas “terapias modificadoras da doença” que promovam a saúde dos doentes, conclui o docente do ICBAS.