Um consórcio internacional com mais de 20 investigadores de seis países mediterrâneos, e que envolveu o cientista Jean-Baptiste Ledoux, do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto, empenhou-se no estudo dos efeitos das alterações globais nas espécies bentónicas do Mediterrâneo através da análise dados de factores de mortalidade recolhidos nos últimos 35 anos. O estudo em causa, que acaba de ser publicado na prestigiada revista científica Nature Communications, fornece novos conhecimentos sobre as consequências na diversidade funcional a longo prazo desta perda de biodiversidade.

As alterações globais, em especial as anomalias climáticas de origem antropogénica das quais se destaca o aumento de temperatura e da frequência de fenómenos de ondas de calor, estão a causar eventos de mortalidade em massa (MME) como nunca antes assistimos. Estes eventos sem precedentes estão a ameaçar a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas marinhos do Mediterrâneo.

Na verdadem são cada vez mais frequentes os MME registados no Mediterrâneo, com quase 1000 observações entre 2016 e 2020. Estes eventos têm afetado um grande número de espécies marinhas desde corais, gorgónias, esponjas ou macroalgas.

Num primeiro esforço, o consórcio analisou o impacto das ondas de calor marinhas (Garrabou et al. 2022). O estudo agora publicado na Nature Communications – intitulado Vulnerability of benthic trait diversity across the Mediterranean Sea following mass mortality events – é uma segunda etapa.

O estudo revelou que mais de metade das observações nos últimos 35 anos ligadas a este tipo de eventos, regista taxas de mortalidade acima dos 60% sendo considerados eventos de mortalidade severa.

Estas MME são sobretudo ligadas a fenómenos de temperatura extremos: as ondas de calor: “85% das MME observadas foram causadas por anomalias de temperatura” refere Jean-Baptiste Ledoux, membro do grupo de Genómica evolutiva e bioinformática do CIIMAR.

Estas anomalias conduziram já ao declínio irreversível de espécies formadores de habitats nestes ecossistemas, suscitando preocupações e empenho em estudar a resiliência destas comunidades bentónicas e perspetivar o seu futuro.

A resiliência das comunidades às alterações climáticas globais

Para melhor compreender o potencial de resiliência e compreender o impacto destes eventos em todo o ecossistema, o consórcio focou-se se nas consequências das MME sobre a diversidade funcional das comunidades bentonicas – ou seja, a gama de funções e atributos com que as espécies contribuem para os processos que mantém o funcionamento dos ecossistemas.

A equipa internacional, liderada pelos investigadores Jeremy Carlot e Nuria Teixido, do Laboratoire d’Océanographie de Villefranche (LOV), categorizou o papel de cada espécie de acordo com 10 características ecológicas diferentes. Verificou-se que as espécies mais vulneráveis às MME são organismos grandes, de crescimento lento e calcificantes com estruturas semelhantes a árvores ou maciças, como é o caso dos corais e das gorgonias.

Mas talvez a conclusão mais marcante do estudo é que esta vulnerabilidade se alarga a outras características ao longo do tempo afetando, por isso, cada vez mais espécies. Consequentemente, assiste-se a uma perda desproporcionada de espécies com funções específicas, algumas estruturantes na formação de habitat como é o caso dos corais e as gorgónias, cujo colapso desencadeia efeitos em cascata em todas nas comunidades a elas associadas.

Com esta tendência crescente e persistante, a resiliência dos ecossistemas bentónicos é reduzida, prejudicando processos essenciais para todo o ecossistema como a disponibilização de habitats, o ciclo de nutrientes e o sequestro de carbono.

Mediterrâneo oriental com deficiências estruturais e funcionais de longo prazo

Segundo a equipa de investigação, que conta com investigadores de Portugal, Espanha, Franca, Itália, Grécia e Israel, esta situação é atualmente mais extensa e mais rápida no Mediterrâneo Ocidental, junto ao sul de França e Espanha.

No entanto, o trabalho publicado sugere que, na realidade, o Mediterrâneo Central e Oriental terão sido afetados mais cedo pela crescente intensidade de MME e que estas áreas já sofreram deficiências estruturais e funcionais de longo prazo que os esforços de registo já não foram a tempo de assinalar. Este padrão espacial indica que as diferentes regiões do Mediterrâneo estão a sofrer alterações nos ecossistemas a ritmos diferentes, o que pode ter implicações significativas para as estratégias de conservação.

Apesar destas diferenças, é evidente que os MME estão a transformar a paisagem assim como a “paisagem funcional” dos ecossistemas bentónicos mediterrânicos, com implicações significativas para a conservação da biodiversidade e a estabilidade dos ecossistemas. Os resultados evidenciam uma trajetória preocupante para estes ecossistemas no contexto das alterações globais.