O Campeonato Mundial de Andebol 2025 ficará na memória de todos os portugueses, mas terá, certamente, um lugar especial na de João Gomes, Diogo Rêma e André Sousa. Não só pelo resultado histórico – quarto lugar – conquistado por Portugal, mas também por ter sido a estreia dos três estudantes-atletas da Universidade do Porto a representar a Seleção A masculina em fases finais de grandes competições internacionais.

Ainda na “ressaca” de um dos maiores feitos do desporto nacional, João Gomes não esconde o “orgulho em jogarmos ao lado de grandes atletas e por alcançarmos este feito. O trabalho desenvolvido tem sido excelente, tanto na seleção como nos clubes e isso reflete-se na nossa evolução”, nota o estudante do 1.º ano de Mestrado em Bioengenharia da Faculdade de Engenharia (FEUP), à conversa com o Centro de Desporto da U.Porto (CDUP-UP).

Para o central e lateral direito do Sporting Clube Portugal, o resultado alcançado na Noruega é fruto de um esforço crescente de elevar o nível do campeonato nacional, bem como as presenças e resultados dos clubes portugueses nas competições europeias. Palavras que vão de encontro às de Paulo Pereira, selecionador nacional da modalidade e antigo estudante da Faculdade de Desporto da U.Porto (FADEUP): “se há 20 anos nos dissessem que íamos conseguir o quarto lugar num Mundial, ninguém acreditaria”.

Diogo Rêma, estudante do 2.º ano da Licenciatura em Gestão na Faculdade de Economia (FEP), que esteve em destaque na defesa da baliza de Portugal, concorda que “a qualidade é óbvia e só há espaço para uma evolução. Penso que a Federação (Portuguesa de Andebol) está a trabalhar da melhor maneira, mesmo com as seleções jovens”.

O guarda-redes do Futebol Clube do Porto, que fez o país saltar do sofá em vários jogos, nomeadamente contra Espanha, onde foi eleito o Melhor Jogador em Campo, assinala ainda o bom contributo dos atletas mais jovens para o resultado da seleção portuguesa e para os planos futuros traçados para a modalidade: “O facto de termos tantos jogadores jovens é muito positivo para a continuidade do trabalho.” .

Já para André Sousa, finalista do Mestrado de Engenharia e Gestão Industrial na FEUP, a oportunidade de fazer história esteve quase para não acontecer, ou não tivesse recebido a convocatória quando a equipa já estava em Oslo: “Eu não estava convocado inicialmente, mas quando fui chamado, senti um enorme orgulho”, recorda o central do ABC de Braga.

“Gostei muito da experiência e agora o objetivo é manter-nos neste patamar e continuar a evoluir”. Até onde? André Sousa joga ao ataque: “Podemos almejar por medalhas e títulos, quem sabe”.

Desafiar as probabilidades e contrariar o esperado

Mas qual é, afinal, o “segredo que permitiu a Portugal “bater o pé” a algumas das maiores grandes equipas do Andebol mundial ? “Vou falar sobre o que eu senti”, avisa João Gomes. “No Sporting, temos uma mentalidade vencedora, e na seleção foi igual. Percebemos que podíamos competir de igual para igual com qualquer equipa.”

Com foco no resultado e não nos obstáculos, o caminho até ao quarto lugar foi conquistado a pulso, como lembra Diogo Rêma: “A partir do momento em que conseguimos empatar com a Suécia e vencer a Espanha, que são seleções medalhadas em quase todas as competições, sabíamos que podíamos enfrentar qualquer adversário”.

André Sousa reforça também que “os jogos do main round foram muitos importantes para nós“. “Sentimos que podíamos ganhar a qualquer equipa: passámos pela Noruega, Suécia, Espanha, Alemanha e França”.

Enfrentar a Dinamarca, seleção agora tetracampeã mundial de Andebol e que terminou com o “sonho” português nas meias finais, foi um desafio que os atletas não subestimaram, mas também não desistiram, como revela Diogo Rêma: “Apesar da fama da equipa dinamarquesa, fomos à luta com a mesma força como contra qualquer outra seleção. Tivemos sempre a ambição de querer mais”.

Seleção nacional de andebol masculina - 4.º lugar no mundial

A seleção comandada por Paulo Pereira, alumnus da FADEUP, fez história no Mundial de Andebol 2025. (Foto: Saša Pahič Szabó / kolektiff)

Caminho passa por “investir e potenciar estas conquistas”

Mesmo sem a medalha sonhada, o percurso histórico da Seleção acabou por pôr o país de olhos postos nos “Heróis do Mar”. “Nós já tínhamos ouvido falar que as transmissões na televisão tinham conquistado muitas visualizações, mas só tivemos realmente noção do impacto quando voltámos a Portugal”, confessa João Gomes.

André Sousa confirma este “alheamento” do que se passava cá enquanto os “Heróis do Mar” brilhavam no maior palco do andebol mundial. “Nós não tínhamos noção da quantidade de pessoas que começaram a ver andebol, ou até mesmo das que recomeçaram. Foi interessante regressar e sentir esse reconhecimento, não só do nosso resultado, mas também da modalidade”.

A campanha de Portugal no Mundial trouxe assim a merecida atenção a uma modalidade que não costuma ocupar as capas dos jornais. “Isto é ótimo para o nosso andebol e para o desporto em Portugal. Também para se perceber que Portugal não é só o futebol. Temos grandes atletas em todas as modalidades, que também fazem competições extraordinárias. Acho que um caminho para Portugal passa por conseguir investir e potenciar essas conquistas, adverte João Gomes.

Conciliar os estudos com a carreira desportiva

Ter uma carreira dual é um projeto desafiante que obriga a boas estratégias de gestão de tempo e organização de trabalho. Questionado sobre como conciliam os estudos com a carreira desportiva, João Gomes confessa que “é muito complicado gerir a carreira profissional desportiva com os estudos”.

A treinar em Lisboa, o estudante de Bioengenharia tenta dar o seu melhor. Mas, “com dois jogos por semana, várias viagens de avião e estágios, gerir as duas carreiras torna-se muito complicado”, nota João Gomes, que ingressou na FEUP com uma média de 18 valores.

Sobre o período do Mundial, que coincidiu em parte com a época de exames do primeiro semestre, André Sousa diz que, apesar do foco estar na competição, ainda conseguiu entregar um trabalho – “já estava quase tudo feito, mas ainda dei lá uns toques finais e acabei por concluí-lo”.

Ainda assim, nem todos conseguiram concluir todas as tarefas da Universidade a tempo da competição, tal como com João Gomes: “no meu caso, como o Mundial decorreu na época de exames, falhei à maior parte deles. Nós temos o Estatuto de Alto Rendimento, no entanto, o mesmo tem uma validade de dois anos. Por exemplo, antes do Mundial, o meu já tinha “expirado”, pois a minha última competição em fases finais internacionais tinha sido em 2022”.

André Sousa, sublinha ainda o cansaço associado à carga destas duas carreiras: “chega a um nível de treino no qual o corpo precisa de descansar. Às vezes não é fácil ter, não só a mentalidade, mas também a disponibilidade para estudar”.

Sobre a gestão de tempo, apesar de admitir que nem sempre é uma tarefa fácil, o estudante da FEUP reconhece que “o facto de termos esta vida desde muitos jovens prepara-nos para o futuro”. Ainda assim, lembra que “há coisas que podem ser feitas, quer pelos atletas como pelas entidades envolvidas, para tornar este caminho mais igualitário face aos demais estudantes”.

Diogo Rêma corrobora este apelo de que “o apoio da Universidade é crucial”. Entre as principais dificuldades, o estudante da FEP realça a acessibilidade na marcação de exames – “se houver uma ajuda por parte da Universidade, farei de tudo para completar as cadeiras com sucesso. Eu estive um ano em Engenharia Mecânica na FEUP e só consegui completar as cadeiras graças ao apoio que a faculdade me deu. Marcaram datas especiais para os exames, de forma às mesmas não coincidirem com estágios da seleção”.

Sobre a mudança para a Faculdade de Economia, o estudante – que ingressou no ensino superior com uma média de 19 valores – admita que “tem sido complicado, porque, mesmo querendo fazer as cadeiras, não tem existido grande disponibilidade por parte da faculdade para conciliar a carreira dual. Claro que eu tenho de me esforçar, e mesmo que tenha apenas dois, três dias para estudar para uma cadeira, vou fazê-lo”.

Projeto UAARE Superior é “iniciativa de louvar”

Perante as dificuldades em conciliar o desporto com a prática desportiva, os três estudantes olham com esperança para o facto de a U.Porto ser uma das seis instituições de Ensino Superior que integram o projeto piloto das Unidades de Apoio de Alto Rendimento do Ensino Superior (UAARE Superior).

Até ao dia 15 de fevereiro decorreram as inscrições dos estudantes-atletas da U.Porto neste projeto piloto. Ao cuidado do Centro de Desporto da Universidade do Porto, os 40 inscritos serão contactados de forma a ser aferido o cumprimento de todos os critérios para posterior atribuição do estatuto, tal como já é feito nas UAARE no Ensino Secundário.

“Estas iniciativas são sempre muito positivas”, afirma Diogo Rêma. Também João Gomes concorda que o projeto UAARE Superior “pode dar aos atletas a possibilidade de gerir a sua carreira estudantil com a carreira desportiva, contribuindo para uma maior facilidade em estudar, em poder estar presente na faculdade, fazer frequências e exames”.

Já a meio do último ano de mestrado em Engenharia e Gestão Industrial, André Sousa poderá acabar por não tirar partido dos benefícios proporcionados pelo Projeto UAARE. Ainda assim, não deixa de louvar a iniciativa da U.Porto e das demais cinco instituições do Ensino Superior envolvidas – “Estas iniciativas têm que ser sempre de louvar. Nós que estamos lá, temos ainda mais consciência das necessidades dos atletas. Toda a gente tem noção de que há atletas que deveriam ser melhor apoiados. Existir uma espécie de entidade, um movimento a nível nacional por parte do Governo, é muito importante porque vai criar bases sólidas”.

André Sousa refere ainda que este projeto traz uma oportunidade para “definir melhor as regras do jogo”, permitindo “saber com quem contar – professores, alunos, administrativos, etc. Ao mesmo tempo, padronizar os processos para que, novamente, seja garantida a equidade de oportunidades”.

João Gomes, André Sousa e Diogo Rêma terminam esta entrevista da mesma forma: a celebrar esta iniciativa por parte da U.Porto e a reconhecer a importância que terá, não só para os mesmos, mas também para os outros vários estudantes-atletas que estudam e competem.

André Sousa concluiu então que “projetos assim criam bases sólidas para o futuro dos atletas, garantindo regras claras e tratamento justo”. Diogo Rêma com um apelo “É necessário serem estabelecidas regras de fácil interpretação por parte de todos para não haver diferenças de tratamento entre atletas e universidades”.