Isabel Macedo Pinto, Professora Associada do departamento de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), dará a sua Última Aula no próximo dia 19 de fevereiro, às 9h00, no Auditório 2A da FPCEUP.

Inserido na Unidade Curricular de Psicologia da Educação, do 2.º ano da licenciatura em Psicologia, o evento marca o encerramento de uma carreira de mais de quatro décadas, dedicada ao ensino e à investigação nas áreas da Psicologia da Educação e do Desenvolvimento.

Numa breve entrevista, lançamos um olhar retrospetivo sobre o percurso ímpar de Isabel Macedo Pinto.

– Como foi o início da sua trajetória enquanto docente e investigadora? O que a levou a enveredar por esse caminho e por se especializar em Psicologia Educacional e do Desenvolvimento?

Isabel Macedo Pinto (IMP): Em 1984, fiz parte de um grupo de jovens licenciados que iniciaram funções no recém-criado Curso Superior de Psicologia, como assistentes. Tínhamos vivido o tumulto de uma revolução, que mudou em muito o país retrógrado em que vivíamos. Tive a sorte de conviver nestes primeiros tempos de vida académica com uma “ínclita” geração de psicólogos, que desbravaram o caminho e fizeram história. Foi a época da Rua das Taipas, sem emails nem computadores, mas com muita genica e vontade de crescer.

Em 1983, ainda estudante e já monitora de estatística, tive o meu primeiro filho. Não tive, na altura, a noção do quanto eu não sabia sobre educação e desenvolvimento da criança – e ainda bem! Foi em enorme desafio, despoletou a vontade de compreender e de fazer mais e melhor pelas crianças.
Integrei o serviço de Consulta Psicológica e Orientação Vocacional, mas rapidamente se tornou claro que a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia da Educação seriam o meu caminho. Para tal, muito contribuiu o nascimento do meu primeiro filho, mas também e, principalmente, a figura ímpar do Prof. Joaquim Bairrão Ruivo, de quem foi assistente durante muitos anos. Com ele percebi o quanto não sabia de educação e desenvolvimento da criança e que ser psicólogo era muito mais do que conhecer um conjunto de teorias e conceitos ou receber pacientes sentados em poltronas. Ciente da complexidade da vida em geral e da Psicologia em particular, foi ele quem me iniciou no mundo irresistível da procura de saber. A ele devo também o início da minha carreira de investigadora, felizmente no contexto de equipas fantásticas onde se aliava o trabalho e a dedicação ao gosto e entusiasmo pelo que fazíamos.

Os primeiros projetos de investigação em que colaborei, a partir dos finais de anos 1980, foram de certa forma pioneiros, abarcando a complexidade do desenvolvimento e da educação nos contextos formais e nas famílias, através do recurso a modelos ecológicos e sistémicos, os quais ainda hoje em dia desempenham um lugar de realce no estudo e compreensão do ser humano.

Ao longo dos anos, contando sempre com o suporte inestimável do grupo de colegas, fui-me dedicando aos diferentes contextos de socialização e desenvolvimento infantil, começando pela escola e jardim de infância e gradualmente abarcando o contexto familiar e a educação parental. A promoção da qualidade destes contextos de socialização e a sua relevância para a vida das crianças, foram alvos principais do meu trabalho, e ficaram patentes nos vários projetos que fui assumindo, como investigadora principal e como membro da equipa, e nas publicações que assinei.

– Que momentos a marcaram e gostaria de destacar na sua carreira?

IMP: É difícil precisar momentos concretos numa carreira de 40 e tal anos. É obvio que os momentos formais deixam marca, pois a vida académica é particularmente exigente no que toca a dar provas de competência. Foi um percurso por vezes árduo, com tarefas desafiantes, mas tudo é possível mesmo que pareça impossível, se fizermos uma coisa de cada vez, pela ordem certa e sem perder o entusiasmo.  Recordo as provas de aptidão científica e capacidade pedagógica que fiz em 1986 (na altura não havia mestrados) ainda na Rua das Taipas e as provas de doutoramento no Campo Alegre, como dois momentos de charneira e de muita satisfação pessoal.

O Centro de Psicologia do Desenvolvimento e Educação da Criança, vulgo CPDEC, no qual me integrei desde a origem em 1988 pela mão da Professora Isolina Borges, foi a base segura que me ajudou a crescer a todos os níveis, e onde, mais uma vez, o grupo de colegas se revelou inestimável como contexto de educação e desenvolvimento.

Inserida no CPDEC, e mais tarde no Grupo Desenvolvimento e Educação (IDDECA), dei os primeiros passos no domínio da investigação, participando em projetos de envergadura internacional já referidos como foi o Projeto Pré-primário, e o ECCE. Tive o privilégio de conhecer e trabalhar em conjunto com investigadores de outras nacionalidades com interesses comuns, construindo assim, além de amizades para a vida, as bases de uma carreira na investigação. Mais tarde, e em conjunto com a Prof. Orlanda Cruz, alarguei os meus interesses para o domínio da intervenção com pais e famílias, adquirindo formação especializada em programas de intervenção parental sempre numa ótica educacional, tendo sido esse um outro momento marcante da minha carreira.

Recordo muitas das pessoas que me foram acompanhando ao longo do tempo, desde colegas a pessoal não docente e estudantes. Não é possível enumerá-los a todos, mas estarão sempre presentes nas boas recordações que guardo. Quanto aos colegas, relembro as palavras certas nos momentos certos, a camaradagem saudável, a seriedade, o rigor e a exigência. A amizade e a cumplicidade das minhas colegas mais próximas, nomeadamente a minha colega de gabinete por mais de 30 anos, foram as âncoras que me acompanharam e ajudaram a dar o melhor possível de mim mesma.

Houve também grandes perdas pelo caminho, entre mestres e colegas. Recordo com saudade a Ana Isabel Mota Pinto e o Joaquim Coimbra, entre tantos outros, que tanto deram de si ao grupo e à Faculdade, e que partiram demasiado cedo.

– Prestes a dar a sua Última Aula, que mensagem gostaria de deixar aos seus pares e às novas gerações de estudantes da FPCEUP?

IMP: Dar a última aula no contexto da Universidade é um momento importante e comovente. Marca essa transição inevitável de ator para espectador, de sair de cena, de deixar que outros conduzam o barco. Assim tem de ser e tem sido sempre. Resta a forte convicção e a certeza de que quem fica dará continuidade ao trabalho e que o fará com enorme dedicação e competência.

Provavelmente, não consegui dar tanto quanto recebi. Por isso, uma das mensagens que gostaria de deixar a todos e principalmente aos mais novos, é a importância do respeito e do interesse genuínos por quem caminha ao nosso lado e que, por vezes, nos leva ao colo.  São as pessoas que fazem a diferença, e com elas podemos aprender o que não se encontra nos livros ou na internet.

Para um professor, ensinar é uma empreitada fantástica, mas aprender também o é. São duas faces da mesma moeda, embora por vezes esqueçamos que essa empreitada acontece durante toda a nossa vida. Embora sejamos pródigos a transmitir estas ideias aos nossos estudantes, nem sempre as recordamos fora do contexto académico. Os alunos por seu turno, podem também ser grandes mestres, se lhes prestarmos a devida atenção. E por isso mesmo, fica uma palavra de agradecimento a todos os estudantes que tive oportunidade de orientar, lamentando é claro, se nem sempre o consegui fazer da melhor forma ou satisfazendo na integra as suas expectativas. Cada um deles me fez crescer um pouco e cada dissertação ou tese concluída foi um momento de regozijo e de alegria. Um bem-haja por isso.

A importância de uma atitude de humildade é algo que a idade me ensinou, e que eu gostava também de salientar. Olhar com olhos de ver e sem ideias preconcebidas para o que se passa à nossa volta, retirar as lições possíveis. Se voltasse atrás, teria mais cuidado em cultivar esta qualidade ímpar, que encontramos em todos os grandes homens e mulheres.

As novas gerações de estudantes têm o futuro à sua frente, embora enfrentem enormes desafios. É imensamente difícil preparar as novas gerações para um mundo em tão rápida mudança, pois o que importa hoje pode ser obsoleto no dia seguinte. A informação é invasiva e agressiva, as novas tecnologias parecem ter vida própria, a IA veio para ficar. A função e o trabalho dos professores são bem mais complicados do que foram há décadas. Um esforço enorme deve ser dedicado, de parte a parte, na definição do que é relevante e vale a pena ensinar/aprender. Digo de parte a parte pois parece-me que, neste processo, os estudantes têm não apenas um papel importante, mas também uma enorme responsabilidade.

Finalmente e sem querer fazer futurologia, acredito que apesar de toda a mudança e dos enormes avanços da IA, a qualidade das pessoas e a qualidade das relações entre as pessoas serão sempre o mais importante a preservar. Em Psicologia e em Educação, isto parece-me particularmente relevante.