Faltar sempre palavras para descrever o que se sente, não conseguir expressar emoções ou processar sensações de forma convencional pode estar associado a diversas condições, incluindo a perturbação do espetro do autismo. Um estudo inovador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) sugere agora que as diferenças no processamento sensorial, frequentemente associadas ao neurodesenvolvimento atípico, podem ser mais comuns do que se pensava, mesmo em pessoas sem doença. O mesmo trabalho sublinha que estas diferenças, que incluem respostas intensificadas a estímulos sensoriais normais como a luz, o som ou o movimento, podem ter impacto nas dinâmicas familiares.
Embora se saiba que a dificuldade em processar sensações e expressar emoções é relativamente comum em pessoas com perturbação do espetro do autismo, faltava “investigar” e comparar pais de crianças com perturbações do processamento sensorial e pais de crianças com um neurodesenvolvimento típico.
Foi a isso que se propuseram, de forma inédita, Ana Sofia Machado e Irene Carvalho, investigadoras da FMUP que assinam este trabalho, publicado na revista científica Research in Developmental Disabilities.
Nesse sentido, foi aplicado aos pais um questionário que analisa seis componentes sensoriais: o paladar/olfato, a audição, a visão, o tato, o movimento e a atividade. Do mesmo modo, foram avaliados fatores como a atenção e as competências sociais. Ao realizarem esta bateria de testes, as investigadoras da FMUP detetaram diferenças na sensibilidade e resposta a estímulos sensoriais diversos.
“Os pais de crianças com perturbação do espetro do autismo ou com perturbação do processamento sensorial tinham, em média, padrões sensoriais mais intensos quando comparados com os pais de crianças com neurodesenvolvimento típico”, explicam as autoras.
Esses padrões incluíam, por exemplo, “tendência a evitar estímulos sensoriais”, ou esquivar-se ao contacto durante as interações sociais”. Em alguns casos, estes padrões sensoriais intensos estavam também relacionados com dificuldades em identificar e expressar emoções (alexitimia).
Uma “ferramenta valiosa” para famílias de crianças com autismo
As investigadoras sublinham que estas características sensoriais, longe de serem vistas como falhas, podem representar desafios únicos que afetam a forma como pais e filhos se relacionam.
“Para uma pessoa com sensibilidade sensorial elevada, um estímulo que é neutro para a maioria das pessoas pode ter um impacto emocional marcante, seja ele positivo ou negativo”, explicam as autoras. Assim, quando os pais têm essa hipersensibilidade, podem, sem querer, “sinalizar aos filhos uma ameaça em relação a estímulos que são irrelevantes para a maioria da população”.
Neste contexto, as conclusões deste estudo “abrem caminho para a criação de estratégias de apoio que promovam interações familiares positivas”, indo para além da questão genética que tem sido descrita e focando também a importância da relação no funcionamento mental.
“Intervenções e formações que ajudem os pais a identificar e verbalizar sentimentos e emoções podem ser uma ferramenta valiosa para estas famílias, melhorando a qualidade da relação e o bem-estar de todos os envolvidos”, sugerem.
Além de Ana Sofia Machado (FMUP e ULS São João) e de Irene Carvalho (FMUP), esta investigação contou também com a colaboração de Goretti Dias (Hospital de Santo António).