Promover um ensino participado, enquanto se procura captar a atenção de estudantes de primeiro ano, pode não ser tarefa fácil. Ora, foi precisamente para contornar este desafio que Ricardo Marcos e Marta Santos, ambos docentes do Departamento de Microscopia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), implementaram o «Histopólio», o jogo de tabuleiro que já “conquistou” os estudantes do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária do ICBAS.

“A histologia é uma disciplina pré-clínica transversal aos currículos de medicina, medicina dentária e veterinária, e é frequentemente considerada um pré-requisito para compreender a complexidade dos tecidos e as suas funções. Tradicionalmente é ensinada com uma componente teórica (apresentações em power point) e prática (com observação ao microscópio), que tendem a ser pouco apelativas para as novas gerações”, explicam os docentes responsáveis pelo projeto.

Neste contexto, o «Histopólio» “nasce precisamente da necessidade de desenvolver um modelo de aprendizagem mais interativo, capaz de atrair os estudantes, numa unidade curricular com um grande volume de conteúdo e que lança as bases para outras unidades curriculares do curso”, acrescentam Ricardo Marcos e Marta Santos.

Como funciona o «Histopólio»

De uma forma geral as regras são simples: um tabuleiro, que lembra o ‘Monopólio’, com quatro linhas contínuas que representam cada um dos tecidos fundamentais da histologia (epitelial, conjuntivo, muscular e nervoso). Cada ‘casa’ do jogo tem uma pergunta – 24 no total (quizz, escolha múltipla, verdadeiro e falso, sem penalizações em caso de erro). Uma resposta correta permite ao estudante ganhar pontos e subir no pódio. ‘Ir à Biblioteca’ corresponde ao ‘Vai para a prisão’ do jogo tradicional, e dá margem para perguntas de revisão.

As peças multiatividades, designadas por “Decisão do Senado”, assemelham-se às cartas comunitárias do «Monopólio» e estão associadas a tarefas mais exigentes, como desenhar estruturas histológicas, tirar fotografias ao microscópio e identificar as estruturas, apresentar diapositivos histológicos à turma ou narrar ficheiros de vídeo de diapositivos histológicos.

Existem ainda peças tipo ‘Bónus’ ou ‘Penalização’ que dão dinâmica ao jogo e lhe conferem as características de competitividade e as “Estações de treino”, as clássicas estações de comboio do Monopólio, que remetem para conteúdos multimédia.

A partir daqui, no final de cada aula prática (nos últimos 15 minutos) é altura de lançar os dados e jogar. Os resultados, avaliados através da aplicação de questionários aos estudantes envolvidos, foram “muito positivos”, revelam os docentes responsáveis.

As vantagens de aprender, jogando

De acordo com o artigo científico “Histopoly: A serious game for teaching histology to 1st year veterinary students”, recentemente publicado na revista Anatomical Science Education, os estudantes mostraram mais entusiasmo pelas aulas e pelos conteúdos lecionados, estavam mais disponíveis para repetir as atividades e, na sua maioria, sentiram que aprenderam mais.

Para Ricardo Marcos (primeiro autor e autor correspondente), o ‘«Histopólio» contribuiu para uma nova abordagem das aulas práticas: “este jogo permitiu uma alteração no modelo de avaliação contínua, ao suprimir os testes, substituindo-os pelo jogo que acontecia no final de todas as aulas, para além de que permitiu a revisão dos conteúdos programáticos de forma continuada, o que é uma grande mais valia”.

Para além do processo de aprendizagem ser mais interessante, “este jogo veio contribuir para fortalecer os laços entre os estudantes, uma vez que trabalhavam em equipa, bem como contribuiu para o desenvolvimento de várias soft skills, como a comunicação, tão importantes no mercado de trabalho e fundamentais no desenvolvimento dos profissionais do futuro”, esclarecem os docentes.

Estratégias de gamificação aumentam a socialização e a motivação, otimizam a aprendizagem e o envolvimento ativo dos estudantes no processo de aquisição de conhecimento, e foram estes fatores que, em grande parte, de acordo com Ricardo Marcos e Marta Santos, contribuíram para o sucesso da iniciativa.

“Tornava as aulas menos cansativas”

Para Maria João Poças, estudante do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária do ICBAS, a experiência com o «Histopólio» não poderia ter sido mais positiva: “Para além de ser uma forma divertida de consolidar os conhecimentos adquiridos, (o jogo) permitia-nos identificar as nossas dúvidas e dificuldades ao vermos os nossos erros sem a pressão de uma avaliação tradicional”.

Por outro lado, sublinha a estudante, “o formato competitivo, mas amigável, tornava a experiência ainda mais estimulante e incentivava-nos a manter a atenção durante a aula, já que queríamos acertar as respostas no jogo, isso ajudava-nos a manter o foco e tornava as próprias aulas menos cansativas”.

Do tabuleiro para o digital

Do jogo tradicional, em tabuleiro físico, passou-se para o desenvolvimento de uma aplicação que permitiu que o jogo se operacionalizasse online, constituído por três elementos: o tabuleiro digital, a aplicação que permitia aos estudantes jogar e uma aplicação web que assegura ao docente o controlo das respostas corretas e erradas e a gestão dos pontos (ou seja da avaliação).

Esta passagem para o digital foi possível graças a uma parceria com a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Para esta transição foram fundamentais os contributos de André Gomes, estudante de mestrado da FEUP, e de António Coelho,  docente da FEUP e investigador no INESC TEC.

Aposta vencedora no concurso “Projetos de Inovação Pedagógica”

‘HISTOPÓLIO – ludificação no ensino da Histologia Animal’ foi um dos nove projetos vencedores da edição 2021 do Prémio Inovação Pedagógica, atribuído pela Universidade do Porto. Foi, de resto, o prémio de 10.000 euros distribuído pelos vencedores que permitiu desenvolver a plataforma.

Para os docentes do ICBAS à frente deste projeto, o «Histopólio» “vai continuar a ser usado nas aulas de Histologia, mas constitui uma boa base para ser adaptado para qualquer disciplina, sendo apenas necessário adaptar as perguntas e respostas através da aplicação web”.

O concurso “Projetos de Inovação Pedagógica” da Universidade do Porto insere-se no âmbito do programa “Promover a Excelência Pedagógica na Universidade do Porto”, que tem por objetivo promover a melhoria dos modelos educativos aplicados nos cursos e unidades curriculares da instituição.