Mais de 500 doentes europeus com causa de doença desconhecida receberam um diagnóstico através de novas análises genéticas. Para muitos, seguiu-se um tratamento, para outros significou saber o que têm depois de anos sem respostas. Estes diagnósticos foram obtidos no âmbito de um consórcio europeu que envolveu mais de 21 instituições académicas – entre as quais o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) em representação de Portugal – de 12 países europeus e do Canadá. Os resultados foram agora publicados na revista Nature Medicine, tendo como autores a equipa do i3S liderada por Carla Oliveira.

Uma doença é considerada rara na União Europeia se menos de cinco em cada dez mil pessoas a tiverem. Das sete mil doenças raras conhecidas, pelo menos 70 por cento têm uma causa genética. Como estas doenças são tão raras, é difícil identificar a causa exata que afeta o ADN, mesmo quando vários membros de uma família têm a doença. Estas patologias incluem doenças neurológicas raras, síndromes de malformação e deficiências intelectuais, doenças neuromusculares raras e suspeitas de síndromes hereditárias de risco de cancro.

No total, os investigadores deste projeto reanalisaram os dados genómicos existentes de 6.447 doentes e 3.197 familiares não afetados e conseguiram encontrar um diagnóstico para 506 doentes e suas famílias. Estes resultados indicam que 15 por cento dos doentes analisados têm agora pistas que permitem atuar clinicamente, e alguns até terão tratamentos disponíveis. Noutros casos, o diagnóstico esclarece os doentes e as suas famílias, permitindo gerir a transmissão da doença, com recurso a aconselhamento genético em pais prospetivos.

O projeto, denominado «Solving the unsolved Rare Diseases» (Solve-RD), e liderado por investigadores da Universidade de Tübingen (Alemanha), do Centro Médico da Universidade de Radboud (Países Baixos) e do Centro Nacional de Análise Genómica de Barcelona (Espanha), “foi idealizado e organizado por um núcleo de quatro Redes Europeias de Referência (RERs), mas abrange todas as 24 redes existentes com o objetivo de enfrentar doenças que não estão resolvidas aplicando estratégias de ponta”, explica Carla Oliveira. Esta investidora do i3S, que liderou a participação portuguesa, e os estudos sobre Cancro Hereditário Difuso do Estômago no projeto Solve-RD, representa também Portugal na Rede Europeia de Referência em Síndromes de Risco de Cancro, conhecida por ERN-GENTURIS.

“Conseguimos dar um novo diagnóstico a seis doentes com Cancro Hereditário Difuso do Estômago, quatro deles com uma história de cancro em idade muito jovem e sem diagnóstico genético há mais de 20 anos. Foi uma sensação fantástica dar estas notícias ao médico, e saber que estas famílias podem agora ter o seguimento e vigilância necessários à prevenção de cancro gástrico”, conta Carla Oliveira.

O Solve-RD é um programa de investigação em larga escala financiado pela Comissão Europeia através do Horizonte 2020 e envolve 300 especialistas, entre clínicos, geneticistas e investigadores, institutos de investigação e de diagnóstico, associações de doentes e especialistas de diversas áreas do conhecimento. Estes especialistas realizaram uma reanálise exaustiva dos dados genéticos dos doentes e trabalham no âmbito das RERs, que se centram em doenças raras específicas.

Isto significa que deixou de ser determinante se um doente com uma doença rara é observado nos Países Baixos, na Alemanha, em França ou em Portugal. O método para chegar a um diagnóstico é agora o mesmo em todo o lado. As análises são revistas por peritos de diversos domínios, como a genética clínica e a ciência de dados, o que aumenta a precisão do diagnóstico.

“Portugal, e em particular o i3S, estão neste momento equipados com infraestruturas de diagnóstico (Ipatimup Diagnósticos e Centro de Genética Preditiva e Preventiva (CGPP) e investigadores altamente qualificados para continuar a investigação nesta área e aplicar o conhecimento obtido com o projeto Solve-RD”, garante Carla Oliveira.

A evolução para uma Aliança Europeia para estudar as doenças raras

De referir também que esta abordagem está a ser expandida através da Aliança Europeia para a Investigação das Doenças Raras (ERDERA), uma nova parceria para as doenças raras coordenada pelo INSERM, em França, com mais de 180 organizações, incluindo cientistas do Solve-RD. Um dos objetivos desta Aliança, igualmente financiada pelo programa Horizonte Europa da União Europeia, é acelerar ainda mais o diagnóstico das pessoas com doenças raras. Ao recolher dados de um conjunto mais alargado de doentes e ao colaborar com outros centros médicos europeus, a ERDERA pretende aumentar a reanálise de dados de doentes de dez mil para mais de cem mil conjuntos de dados de doenças raras e abranger uma gama mais alargada de doenças genéticas raras.

No âmbito da ERDERA, a Universidade de Tübingen lidera o fluxo de diagnóstico da Rede de Investigação Clínica, trabalhando mais uma vez em conjunto com equipas de Radboudumc, Barcelona e outras de toda a Europa.

Este trabalho também dá ênfase à utilização de técnicas avançadas, como a sequenciação do genoma de leitura longa, o mapeamento ótico do genoma e a sequenciação do ARN, para acelerar o diagnóstico de doenças raras não resolvidas.