Uma equipa do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) estudou várias proteínas que regulam a interação entre as células epiteliais (que revestem a superfície dos órgãos humanos) e o seu ambiente e descobriu que uma destas proteínas, a Distrofina, tem um papel fundamental na fase final da divisão celular. Esta descoberta, que ajuda a compreender a ocorrência de falhas no processo de divisão das células e o aparecimento de tumores malignos, é capa da revista EMBO Reports de janeiro de 2025.

“Temos cerca de 37 biliões de células, mas todos começamos por ser uma só. Esta capacidade da célula se multiplicar através de divisão celular é um dos fenómenos mais fascinantes da biologia”, começa por esclarecer Eurico Morais de Sá, líder do grupo «Epithelial Polarity & Cell Division» do i3S , e coordenador desta investigação que inclui colaborações com o Institut Curie, em Paris, e o Institut de Génétique, Reproduction et Développement (iGReD), em Clermont-Ferrand.

“Tendo em conta que a maior parte das células epiteliais não estão isoladas e aderem continuadamente às células vizinhas, ao mesmo tempo que são sustentadas por uma matriz extracelular (uma espécie de “solo” que dá sustentação mecânica aos tecidos dos nossos órgãos), pareceu-nos fundamental perceber qual o impacto dessas interações com o ambiente na capacidade de uma célula se dividir”, acrescenta.

A equipa liderada por Eurico Morais de Sá descobriu que várias proteínas que asseguram a coesão entre as células vizinhas e a ligação à matriz extracelular «promovem a eficiência da fase final da divisão celular (chamada citocinese), e que uma delas, a Distrofina, normalmente associada à distrofia muscular, tem um papel até então desconhecido e que consiste em assegurar a eficiência da citocinese em tecidos epiteliais», adianta Margarida Gonçalves, primeira autora do artigo agora publicado.

O artigo merece honras de capa na edição de janeiro de 2025 da Embo Reports. (clicar para aumentar)

É precisamente uma imagem ilustrativa de defeitos em divisão celular que ilustra a capa da EMBO Reports. “Trata-se de uma imagem de microscopia a mostrar como, perturbando geneticamente a Distrofina, se formam células epiteliais com dois núcleos devido a falhas em citocinese”, explica Eurico Morais de Sá.

A equipa recorreu à mosca da fruta para investigar a divisão celular no tecido epitelial. Nestes tecidos, explica Eurico Morais de Sá, “as células têm que conseguir dividir-se ao mesmo tempo que se mantêm fortemente unidas umas às outras. Desenvolvemos, então, um sistema de perturbação genética que nos permite interromper a função, in vivo e em tecidos específicos, de cada um dos genes envolvidos na ligação entre células e nas suas interações com a matriz celular”. Na sequência disso, acrescenta, “percebemos que há um conjunto de proteínas, conservadas desde a mosca até ao ser humano, que promovem e eficiência do processo”.

Já Margarida Gonçalves nota que “este trabalho é focado em biologia fundamental, mas a longo prazo, poderá ter implicações na compreensão de doenças como o cancro”.

“Quando uma célula falha o processo de divisão, gera erros que podem servir como ponto de partida para o desenvolvimento de tumores, e cada vez mais estudos têm demonstrado que a duplicação do genoma, fenómeno provocado por falhas em citocinese, é uma anormalidade genética frequentemente presente em células cancerígenas. Sabendo que cerca de 90% dos tumores malignos têm origem em células epiteliais, torna-se particularmente relevante entender como é que o processo de divisão celular é assegurado neste tipo de contexto”, sublinha a investigadora.