Em resposta à procura crescente de soluções anti-inflamatórias para as condições de pele, uma equipa de investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR) acaba de publicar um estudo no qual revela que os extratos ricos em carotenoides originários de cianobactérias marinhas são fortes ingredientes anti-inflamatórios para a pele, com aplicações dermatológicas e cosméticas de origem natural, sustentável e vegan.
A inflamação é um processo biológico através do qual o nosso organismo procura responder a estímulos nocivos, pela ação direta do sistema imunitário, enzimas e mediadores inflamatórios. A inflamação da pele carateriza-se habitualmente por vermelhidão, inchaço, comichão e muitas vezes rash cutâneo, comuns nos diferentes tipos de dermatites, acne inflamatório e rosácea que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. O controlo do processo inflamatório da pele é um desafio crescente para a indústria cosmética que procura responder às necessidades de saúde e bem-estar assim como a questões estéticas e de autoestima, cada vez mais importantes na sociedade.
Esta crescente procura de produtos cosméticos para o tratamento de condições como a rosácea e o acne inflamatório, e de medicamentos de uso tópico para o alívio e tratamento das mais diversas manifestações de inflamação cutânea, tem motivado a comunidade científica para a procura de ingredientes alternativos, de origem natural, eficazes, inovadores e ao mesmo tempo sustentáveis.
O estudo intiuado “Carotenoids from cyanobacteria modulate iNOS and inhibit the production of inflammatory mediators: Promising agents for the treatment of inflammatory conditions” foi realizado no contexto do trabalho de doutoramento de Janaina Morone, estudante do Programa Doutoral em Biotecnologia Marinha e Aquacultura da Faculdade de Ciências da U.Porto (FCUP), a desenvolver a sua investigação no grupo de investigação em Biotecnologia azul, saúde e ambiente do CIIMAR .
O trabalho demonstra que o perfil de carotenoides das cianobactérias é eficiente na redução da produção de mediadores da resposta inflamatória e enfatiza o elevado valor para aplicação biotecnológica de extratos de cianobactérias ricos em carotenoides na industria farmacêutica e cosmética.
Um biorecurso inovador e sustentável
Quando se trata de extratos inovadores, eficazes com origem natural e sustentável, “as cianobactérias cumprem todos estes requisitos enquanto biorrecurso, o que nos motivou a explorar a sua capacidade de atuar na área da inflamação” refere Janaina Morone, primeira autora deste trabalho. Foi neste contexto que a estudante decidiu explorar diferentes estirpes de cianobactérias originárias do arquipélago de Cabo Verde para aplicação cosmética.
Segundo o estudo agora publicado na revista Algal Research, estas cianobactérias apresentam um perfil de carotenoides muito caraterístico, dominado pelas já conhecidas zeaxantina e pelo β-caroteno, que conferem aos seus extratos a capacidade de modular o processo inflamatório a dois níveis: na resolução e na prevenção da inflamação. Assim, para além de serem capazes de resolver um estado de inflamação já instalado através do sequestro de radicais livres e da inibição de enzimas responsáveis pela produção de mediadores inflamatórios, estes compostos são capazes de atuar na origem do problema, inibindo a expressão de enzimas responsáveis pela produção de óxido nítrico, um mediador chave no processo inflamatório.
Segundo Graciliana Lopes, também investigadora do grupo de Biotecnologia azul, saúde e ambiente do CIIMAR e coautora do estudo, “as cianobactérias de origem marinha do arquipélago de Cabo Verde avaliadas neste estudo são produtoras de pigmentos com atividade anti-inflamatória, com grande potencial para utilização em diversas afeções cosméticas onde existe um quadro inflamatório associado, como é o caso da rosácea, acne inflamatório e diferentes tipos de dermatites.”
Além do seu potencial reconhecido, estes extratos respondem a outros critérios muito desejados para a indústria dedicada à dermatologia e sobretudo à indústria cosmética uma vez que constituem ingredientes naturais, de produção sustentável e vegan, características altamente procuradas pelas grandes marcas de cosméticos de todo o mundo. Por fim respondem a outras questões práticas como a reprodutibilidade dos seus extratos, biocompatibilidade, e capacidade de reutilização da biomassa para a obtenção de novos ingredientes o que, em última instância, tornam todo o processo de produção amigo do ambiente e economicamente muito atrativo.
Então e a toxicidade?
Há alguma ideia estabelecida de que os compostos produzidos por cianobactérias tem algum grau de toxicidade. No entanto, isso não é completamente verdade: um número significativo de cianobactérias não é produtora de toxinas, e que pelo contrário, produz compostos que podem ser aplicados com total segurança em produtos alimentares, farmacêuticos, nutracêuticos ou cosméticos. As estirpes de cianobactérias neste estudo não são produtoras de toxinas, nem apresentaram toxicidade para as diferentes linhas celulares testadas, o que é um bom indicador da sua segurança, e permite abrir portas a novos estudos para estas aplicações.
As estirpes com origem em Cabo Verde analisadas neste estudo estão agora mantidas na coleção de culturas de cianobactérias e microalgas LEGE-CC do CIIMAR.
O que promete o futuro?
Estes resultados abrem caminho a novos estudos, nomeadamente a uma” melhor elucidação do mecanismo de ação destes extratos em organismos modelo, e à avaliação da sua estabilidade quando incorporados numa formulação, o que poderá alargar o seu leque de aplicações, tanto a nível cosmético como farmacológico” explicam as investigadoras que destacam ainda o imenso potencial das cianobactérias para estas e outras utilizações.
“As cianobactérias são “refinarias verdes” que produzem uma imensidão de compostos com aplicações biotecnológicas de elevado interesse. Além dos carotenoides aqui destacados, as cianobactérias produzem um grande número de outros metabolitos secundários com atividade anti-inflamatória comprovada, entre eles alguns compostos fenólicos”, esclarece Janaína.
Graciliana Lopes reforça este ponto de vista: “os recursos marinhos são atualmente a melhor resposta para a crescente procura de moléculas inovadoras e de ingredientes naturais com aplicação nas diferentes áreas da saúde e bem-estar. É a biotecnologia marinha que nos permite explorar e utilizar esses recursos de forma sustentável para dar origem a produtos inovadores que respondam às necessidades de uma população cada vez mais atenta à qualidade de vida e sustentabilidade e em constante crescimento. O futuro é Azul!”