Dois estudos da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), recentemente publicados na revista Clinical Research in Cardiology, identificam lacunas nas recomendações atuais para diagnosticar deficiência de ferro em doentes com insuficiência cardíaca, sugerindo a sua revisão à luz dos dados mais recentes.
“A melhoria do processo de identificação dos doentes que beneficiam da suplementação de ferro pode contribuir para reduzir o risco de internamento e morte associado a esta condição, que continua a ser uma das principais causas de mortalidade em Portugal”, afirmam os investigadores da FMUP.
Atualmente, estas diretrizes, baseadas em análises ao sangue à ferritina e saturação da transferrina, orientam a suplementação de ferro, um componente essencial para a produção de glóbulos vermelhos e para a respiração celular, cruciais para a contração do músculo cardíaco.
“Em doentes com deficiência de ferro, verifica-se um risco aumentado de internamento e mortalidade por insuficiência cardíaca, sendo que a suplementação de ferro mostrou ser eficaz na redução desse risco. Contudo, uma classificação inadequada dos doentes como tendo défice de ferro pode levar a suplementações desnecessárias em alguns casos e, simultaneamente, à exclusão de doentes que poderiam beneficiar do tratamento”, explicam os autores.
O papel da ferritina e um marcador para reduzir mortalidade
O primeiro artigo, liderado pelo médico e investigador Francisco Vasques-Nóvoa, explorou o papel da ferritina, uma proteína utilizada como marcador das reservas corporais de ferro, em doentes com insuficiência cardíaca aguda internados.
Com base numa coorte de 526 doentes do registo EDIFICA (Estratificação de Doentes com InsuFIciência CArdíaca Aguda), o estudo revelou que, em casos de agravamento da insuficiência cardíaca, especialmente quando existe inflamação, a ferritina deixa de ter utilidade para identificar a deficiência de ferro. Pelo contrário, nestas circunstâncias, os níveis elevados de ferritina no sangue emergem como um dos principais indicadores de mau prognóstico entre os marcadores associados ao metabolismo do ferro.
O segundo artigo, liderado pelo médico e investigador Pedro Marques, em colaboração com a Universidade de McGill (Montreal, Canadá), avaliou o melhor marcador para identificar os doentes com insuficiência cardíaca que beneficiam de suplementação de ferro, no que diz respeito à redução de internamentos e mortalidade de causa cardiovascular.
“O estudo concluiu que a saturação da transferrina, a proteína responsável pelo transporte do ferro no sangue, é o marcador mais fiável para diagnosticar défice de ferro, quando é inferior a 20%, sendo o mais adequado para orientar a terapêutica de suplementação. Também neste estudo, foi demonstrada a fraca utilidade da ferritina na identificação de doentes que beneficiam de suplementação de ferro”, indicam os investigadores.
As conclusões dos dois artigos destacam a necessidade rever os critérios para identificação de défice de ferro nestes doentes, tanto em contextos agudos de internamento como em casos de doença crónica estável.