Os doentes com alta complexidade clínica podem ser monitorizados e morrer em casa, com segurança e dignidade, se forem referenciados e acompanhados por Equipas Comunitárias de Cuidados Paliativos, reservando-se os hospitais apenas para situações em que haja procedimentos que não podem ser realizados no domicílio ou para aliviar o peso sobre cuidadores exaustos. Foi esta a conclusão a que chegou um grupo de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP)/RISE@Health, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) e da ULS de Gaia e Espinho.

Publicado no Journal of Primary Care & Community Health, este estudo tinha como objetivo avaliar a qualidade das referenciações e a transição de cuidados para uma Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos.

Os dados da coorte de 323 doentes, com uma média de idades de 80 anos (dos 31 aos 103 anos), foram analisados de forma retrospetiva. O cancro era o diagnóstico em metade dos casos, enquanto 26% tinha falência de órgão e 24% sofriam de uma doença neurodegenerativa. Cerca de 86% dos doentes morreram em casa, o que vai ao encontro da vontade mais vezes expressa quanto ao local da morte.

Dos doentes referenciados, em 2023, para a Equipa Comunitária de Suporte aos Cuidados Paliativos estudada (ECSCP Gaia), 118 foram-no por equipas de Cuidados Paliativos hospitalares, 110 por médicos de família, 59 por especialidades médicas diversas, incluindo Oncologia, e 46 por lares ou unidades de cuidados de longa duração. Após referenciação, os cuidados foram iniciados numa mediana de 24 horas.

Os resultados deste trabalho, liderado pelo paliativista e professor da FMUP Hugo Ribeiro, indicam que a referência para uma Equipa Comunitária deste tipo permitiu reduzir substancialmente o recurso a um serviço de urgência hospitalar. Ao todo, terão sido evitadas entre 2.000 a 2.500 idas ao serviço de urgência no período do estudo.

Benefícios incluem” aumento da qualidade de vida e sobrevivência maior do que era expectável”.”

O estudo aponta também para melhorias muito significativas no acompanhamento psicológico aos doentes e famílias, que passou de 6,4% para 100%, e na garantia de direitos sociais básicos (como complemento por dependência e atestado multiusos), que passou de 50% para 100%.

De acordo com Hugo Ribeiro, com este “modelo de cuidados centrado nas necessidades dos doentes” registou-se igualmente uma “mudança significativa na prescrição médica, com controlo mais eficaz de sintomas, redução da medicação potencialmente inadequada, aumento da qualidade de vida e sobrevivência maior do que era expectável”.

A equipa apostou na medicação “em SOS” no ensino do cuidador, fator que foi “significativamente relacionado com a capacidade de cuidar em casa, e promoveu tranquilidade a quem cuida”.

Finalmente, este estudo propôs “um aumento significativo dos números mínimos de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos nas equipas de cuidados paliativos” e sugeriu a necessidade de “mais e melhor formação na área”.

Além de Hugo Ribeiro, esta publicação única a nível internacional que avalia a transição de cuidados de uma perspetiva multidimensional, biopsicossocial e organizacional teve a colaboração de José Paulo Andrade e João Rocha Neves, professores da FMUP, e de Marília Dourado, da FMUC e do Centro de Estudos e Desenvolvimento dos Cuidados Continuados e Paliativos.