Muitos estudantes entram na Faculdade de Ciências com uma paixão incentivada por professores do Ensino Básico e Secundário, fundamentais para formar os cientistas do futuro. Mas e se não houver professores sequer?
Um estudo recentemente divulgado mostra discrepâncias entre as necessidades globais até 2031 e o número de novos professores. Este trabalho publicado pelo Edulog, o think tank da Fundação Belmiro de Azevedo direcionado para a área da Educação, diz que a falta destes profissionais será crítica em 2026 em várias áreas e nas ciências, em concreto, a partir de 2029.
Na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto há, desde 2012, uma Unidade de Ensino das Ciências (UEC) que já vai beber a uma experiência de quase 30 anos de formação de professores. Centenas de professores formados na FCUP dão aulas por todo o país, mas, se há três décadas até havia professores a mais, hoje a situação está invertida.
“A responsabilidade está também numa ‘desaposta’ nacional lamentável”, considera João Paiva, docente da FCUP e vice-presidente da UEC. O professor encara o estudo coordenado pela investigadora Isabel Flores, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, com preocupação, sobretudo no que à ciência diz respeito, mas também como uma oportunidade. “Queremos continuar este trabalho que vem de longe. Somos uma faculdade com uma forte tradição na formação de professores e temos um papel fundamental para colmatar esta necessidade”, salienta.
Na opinião de João Paiva, urge atuar junto das escolas secundárias para fomentar as vocações profissionais em ensino das ciências e reforçar o número de docentes na área da Didática das Ciências, entre outras medidas necessárias, algumas das quais dependentes do dinamismo da gestão política nacional na área educativa.
Atualmente, entre os mestrados em Ensino, a FCUP está a formar cerca de 15 mestres em Ensino da Física e da Química, 20 no Ensino da Matemática e mais de uma vintena em Ensino da Biologia e Geologia. Para o próximo ano letivo, a FCUP quer ainda apostar num mestrado vocacionado para o Ensino da Informática que se encontra em fase final de preparação para submissão à A3ES.
No ano letivo de 2023/2024, a FCUP formou 35 novos mestres em Ensino da Físico-Química, Matemática e Biologia e Geologia.
A faculdade está focada em fazer aumentar estes números e continua, através da UEC, a formar jovens professores apaixonados pela Ciência. Fomos conhecer e falar com alguns deles, muito recentemente formados na FCUP, nos vários mestrados em Ensino na área das Ciências: Biologia e Geologia, Física e Química e Matemática, que rapidamente começaram as suas carreiras.
Jovens professores da FCUP de Norte a Sul
Lisboa, Alentejo e Algarve são zonas há muito conhecidas por terem grandes necessidades de professores. No entanto, a maioria dos estudantes formados para dar aulas é do Norte do país e a tendência é de ficar a lecionar na região.
É o caso de Pedro Pinto da Costa, jovem professor de matemática de 24 anos, que decidiu ficar pelo Porto, onde dá aulas na Escola Profissional Raul Dória e também no Colégio da Paz.
Terminou em 2022 o seu estágio na Escola Secundária Filipa de Vilhena, no âmbito do mestrado em Ensino da Matemática, no qual teve nota máxima: 20 valores. Licenciado em Matemática pela FCUP, sempre sonhou em ser professor e rapidamente concretizou esse sonho. Como no Norte há menos oportunidades para o ensino da Matemática na escola pública, procurou trabalho ensino privado e quer acumular tempo de serviço para um dia poder concorrer ao ensino público.
Pedro encara a falta de professores como uma motivação extra e destaca que “não existem trabalhos fáceis”. Dá aulas a três turmas do 10º, 11º e 12º ano, numa experiência desafiante a nível profissional e social. “O estágio preparou-me muito bem e deu-me as competências que precisava”.
Uma engenheira biomédica que agora é professora
“Comecei a fazer, online, a unidade curricular de Física Moderna, e percebi que o que gostava mesmo era de levar o fascínio da ciência para os mais novos”. Durante o confinamento, Joana Alves percebeu que, o doutoramento em Engenharia Biomédica na Universidade do Minho, que estava a frequentar, não era o que queria fazer. Decidiu explorar a física e logo se quis inscrever no mestrado em Ensino da Física e da Química.
“Não me arrependo do percurso que fiz, que me deu muitas mais-valias para o que agora faço. Trago exemplos mais práticos para os meus alunos, como por exemplo, como a física se pode aplicar à saúde e à medicina”, conta.
Aos 31 anos, sente-se realizada e “muito feliz” por finalmente estar a fazer o que gosta. Joana Alves é a única professora de físico-química do Colégio Horizonte e tem, desde setembro deste ano, altura em que começou a trabalhar, turmas desde o 7º ao 12º ano.
Tal como Pedro, Joana também pretende ficar pelo Norte do país e acredita que vão começar a surgir mais vagas no ensino público nesta região. Quanto à falta de professores a Sul, destaca que muito se deve, também, à falta de apoios para os professores deslocados.
Do Norte ao Sul: sorte e coragem
Que o diga, António Freitas, de 35 anos, natural da Madeira e professor na Escola Secundária da Ramada, em Odivelas. A paixão pelo ensino trouxe-o até ao Porto. Frequentou a licenciatura em Geologia e seguiu para o mestrado em Ensino da Biologia e Geologia, que concluiu em 2022. Concorreu às ofertas de escola, porque queria desde logo trabalhar no ensino público, e ficou ao mesmo tempo colocado em duas escolas em horário completo: em Faro e em Odivelas. Escolheu a que ficava mais perto de casa.
“Só se dá apoio à deslocação quando professores ocupam uma vaga que estava vazia há mais de 60 dias e isso só causa entraves e atrasa mais”, conta. “É muito difícil pagar uma renda em Lisboa com o ordenado de um professor – alugar um T1 pode custar entre os 600 e os 700 euros”, lamenta.
Hoje, ao fim de dois anos como professor, está no quadro de escola. Uma situação atípica e que considera de “imensa sorte”.
Também no sul do país a ajudar a fazer face à falta de professores está Francisca Parente, jovem professora de Matemática de 23 anos, natural de Lamego, que terminou o mestrado em julho deste ano.
No final de agosto concorreu a ofertas de escola e em setembro, começou a lecionar numa escola do Agrupamento de Escolas de Silves, no Algarve. Recentemente ficou colocada no Quadro de Zona Pedagógica que abrange Monchique, Portimão, Lagoa e Silves, no âmbito de um concurso extraordinário direcionado para escolas classificadas como carenciadas devido à sua dificuldade em atrair professores para os seus quadros.
“Vir para o Algarve foi uma decisão que tive de tomar para poder dar aulas, já que aqui há falta de professores. Posso dizer que até agora tenho tido sorte, no sentido em que consegui começar logo a dar aulas, mas a verdade é que talvez tenha sido mais coragem do que sorte”, reflete.
Para o vice-presidente da UEC, João Paiva, “o entusiasmo dos alumni da FCUP, bem como a grande competência científica e pedagógica que se vislumbra, confirmam o caminho sempre seguido na FCUP, no que diz respeito à formação de professores”. “Este lastro do passado e do presente, somado à demanda do nosso país no que diz respeito a professores, antecipa e confirma um futuro promissor e justifica uma forte e bem elaborada estratégia de aposta na formação de professores”, remata.