Desde 2017 que o método de análise no rastreio do cancro do colo do útero passou a ser feito, em primeira linha, por teste de genotipagem do vírus do papiloma humano (HPV). Uma alteração que, segundo Sofia Salta, trouxe mudanças significativas no rastreio, “uma vez que este é um teste muito mais sensível, capaz de detetar quase 100% das lesões, mas não tão específico”, explica a primeira autora do artigo “Preliminary outcomes of the Cervical Cancer Screening Program of Northern Portugal: A snapshot”, recentemente publicado no Jornal of Infection and Public Health e resultante da sua tese de doutoramento em Patologia e Genética Molecular, desenvolvida entre o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto, e o Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO-Porto), onde é investigadora.
“Há pessoas que testam HPV positivo, mas que não têm lesão, isto porque a maioria dos casos de HPV positivo são eliminados pelo sistema imunitário, não desenvolvendo doença”, acrescenta a antiga estudante da U.Porto.
Esta conclusão já teve consequências diretas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), ao provocar um incremento (3 a 4 vezes maior) do número de mulheres referenciadas para consulta de patologia cervical (para realizarem exames complementares – colposcopias com ou sem biópsia)
“As unidades não estavam preparadas para este aumento de utentes, o que teve um grande impacto no aumento do tempo de espera para consulta, com possíveis atrasos no diagnóstico. Esse foi um dos problemas que procurámos resolver com este trabalho”, avança Sofia Salta.
Para além dos constrangimentos provocados nas estruturas hospitalares, este encaminhamento gera muitas vezes ansiedade e stress. Apesar “de sabermos que 90% das mulheres contacta com o vírus, apenas 10% desenvolve infeção persistente, e dessas, apenas 10% eventualmente desenvolvem doença, não conseguimos evitar que as mulheres entrem, naturalmente, em ansiedade por terem um resultado positivo no teste de HPV”, nota Carmen Jerónimo, coordenadora do Grupo de Epigenética e Biologia do Cancro e diretora do Centro de Investigação do IPO-Porto.
“E apesar de explicarmos que a maior parte delas ao fim de 12-18 meses deixa de estar infetada, não é suficiente para as tranquilizar. Isso é algo que também nos preocupa e que queremos precaver”, reforça a também docente do ICBAS.
Um novo teste para “refinar” a referenciação
A investigação agora publicada procurou precisamente encontrar um método de testagem “mais refinado”, que permita referenciar para consulta de patologia cervical apenas as mulheres que têm um risco elevado de desenvolver doença.
“A nossa proposta, na qual temos vindo a trabalhar em estreita colaboração com a ARS Norte e com o Departamento de Rastreios da Direção Executiva do SNS, passa por desenhar um mecanismo alternativo, mantendo em primeira linha a genotipagem do HPV, mas introduzindo um teste diferente, em segunda linha, que substitui a citologia convencional, e que permita reduzir de forma significativa a referenciação destas senhoras, restringindo essa referenciação àquelas que têm grandes probabilidades de desenvolver lesão e/ou doença”, explica o patologista Rui Henrique.
Para o docente do ICBAS, a importância deste trabalho está precisamente no facto de mostrar “a dimensão desta problemática, justificando a necessidade de implementação de uma nova metodologia de análise que permita colmatar este problema da sobre-referenciação”.
A introdução de uma análise mais específica apresenta assim inúmeras vantagens “desde logo a diminuição da sobrecarga das unidades de patologia cervical e, consequentemente, a redução de custos, e, claro, a vantagem mais relevante está na redução dos níveis de stress e ansiedade que estas mulheres estão sujeitas ao testarem positivo e serem encaminhadas para exames mais específicos”, conclui.
Sobre o cancro do colo do útero
O cancro do colo do útero foi responsável por cerca de 340.000 mortes em 2022, em todo o mundo. Em Portugal, em 2019, foram diagnosticados 533 novos casos, dos quais 167 foram no norte do país.
O IPO Porto (o laboratório central de rastreio do cancro de colo do útero na região norte desde 2010) realizou, em 2023, cerca de 150 mil testes de rastreios, com uma taxa de positividade de 12,5%, numa colaboração entre o Serviço de Anatomia Patológica e o Serviço de Patologia Clínica.