“Um trator tem hoje mais mecanismos e botões do que um avião!” A comparação é de Albano Beja Pereira, diretor da licenciatura em Engenharia Agronómica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), que, este ano, assinala 30 anos de existência. Atualmente, a agricultura é bem diferente do que era, ideia que o responsável pelo curso faz questão de realçar.
“O agricultor tem de ser alguém com muita formação”, concretiza. E há uma necessidade muito grande de engenheiros agrónomos e técnicos de segurança alimentar: “Recebo imensos e-mails de empresas a pedir licenciados em engenharia agronómica”, conta.
Num balanço de três décadas de licenciatura, Albano Beja Pereira recorda que, no início, o curso enchia todas as vagas. Em 2010 foi a última vez que tal aconteceu. A mudança, diz o professor, é transversal à Europa: já não há tanta ligação ao campo e poderá ainda haver a ideia de que a agricultura é algo do passado.
Em 30 anos, este curso passou por várias mudanças e alterações de nome – começou por se chamar “Engenharia das Ciências Agrárias” e mais tarde, entre 2005 e 2007, “Engenharia Agronómica”; depois, como alteração do Processo de Bolonha, “Ciências de Engenharia”, que incluiu os perfis de “Engenharia Agronómica” e “Engenharia Alimentar”; só em 2019, a área agronómica voltou ao nome próprio e a licenciatura adotou o nome atual: “Engenharia Agronómica”.
Hoje está cada vez mais voltado para o futuro e para a inovação e é um dos cinco cursos da Universidade do Porto inserido no Programa de Formação Multidisciplinar da U.Porto — «Impulso Jovens STEAM», que atribui bolsas de estudo e de mérito, financiadas ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
“Se o campo não planta, a cidade não janta”
Em contexto de alterações climáticas e de pleno crescimento da área da inteligência artificial, é cada vez mais importante a agricultura de precisão.
Leandro Rodrigues, de 24 anos, optou pelo perfil de Engenharia Agronómica, em “Ciências de Engenharia”, no ano letivo 2016/17. Natural de Tondela, cresceu no meio rural, o que o motivou a entrar neste curso. “Senti que iria encontrar as respostas às perguntas que tantas vezes colocava acerca dos “fenómenos” que definiam em que medida as culturas se desenvolviam e produziam”, conta.
Após a licenciatura, continuou o seu percurso académico e voltou-se para a investigação, explorando as potencialidades das técnicas de visão computacional e de inteligência artificial na previsão do estado fenológico das culturas agrícolas.
Atualmente, é estudante do Programa Doutoral em Ciências Agrárias e pertence ao laboratório TRIBE – Laboratório de Robótica e IoT para Agricultura e Floresta de Precisão Inteligente do INESC TEC.
Nos últimos meses, o investigador tem-se dedicado à otimização de práticas culturais com base na Agricultura de Precisão, usando como exemplo as plantas de alface. Esta área tem vindo a evoluir nos últimos 20 anos e vem tirar a “imprevisibilidade” para quem lida com a produção de alimentos. Com modelos cada vez mais precisos, é mais fácil para os agricultores saberem o que esperar e poderem fazer uma melhor gestão de recursos, como a água.
Hoje em dia um engenheiro agrónomo tem de estar em constante aprendizagem e evolução, acompanhando o progresso da tecnologia. É preciso perceber de programação para poder adaptar e alterar os algoritmos, devido à constante evolução dos modelos preditivos.
Leandro beneficia de uma rede de conhecimento e de tecnologia que a Universidade do Porto proporciona, através dos seus vários centros de investigação, como o INESC TEC, o BIOPOLIS-CIBIO ou o GreenUPorto, aos futuros engenheiros agronómos, um dos fatores distintivos da licenciatura em Engenharia Agronómica da FCUP.
Do solo ao céu
Cristiano Costa, 28 anos, seguiu também a vertente da agricultura de precisão, mas escolheu outros voos para a sua vida.
“A licenciatura ensinou-me a querer saber sempre mais e a procurar respostas para aquilo que desconhecia”, salienta. Cristiano nunca chegou a trabalhar em Portugal. Agarrou uma oportunidade em França, foi aceite num estágio nos Estados Unidos e fez um mestrado na área da agricultura de precisão.
Hoje é piloto agrícola: “como a minha segunda paixão é a aviação, tornei-me piloto comercial e juntei as duas áreas. Entre maio e outubro trabalho como piloto e sobrevoo os campos, pulverizando-os para os proteger de doenças”.
O engenheiro agrónomo que vive no estado do Dakota do Norte não ficou por aqui. Criou a sua própria empresa e, fora das épocas de pulverização, dedica-se à recolha de imagens térmicas de drone do setor agrícola.
“A agricultura é o recurso mais importante que cada país tem”, defende. Leandro Rodrigues não poderia concordar mais, até pela mensagem que faz questão de ter na sua assinatura de e-mail: “Se o campo não planta, a cidade não janta”.
É uma preocupação que expressa o diretor do curso, Albano Beja Pereira. Os números sobre o aumento da população – que duplica a cada 30 anos – contrastam com a falta de profissionais nestas áreas. “Desde 2017, que continua a subir o número de pessoas com carências alimentares, porque o mundo está a deixar de produzir alimentos. Precisamos de uma renovação do setor”, alerta o docente.
Inovação e produção de insetos
Quem frequenta o curso de Engenharia Agronómica, pode também optar pela área de Engenharia com perfil alimentar. Foi a pensar em questões como a sustentabilidade e a segurança alimentar que Sara Martins, fundadora da Portugal Bugs, atual Corial Foods, escolheu entrar no ainda denominado “Ciências de Engenharia”.
“Acredito que este setor é essencial para a nossa existência e oferece oportunidades de inovação”, destaca a jovem empreendedora. Sonhou alto e aventurou-se no empreendedorismo. Em 2021 fundou, com Guilherme Pereira, colega de licenciatura, uma startup pioneira em Portugal, dedicada ao desenvolvimento, produção e fabrico de alimentos com a incorporação de insetos. A dedicação e a ideia valeram-lhe já vários prémios.
Já Ana Maria Lages Pinto, que terminou mais recentemente a licenciatura, no ano letivo de 2019/2020, iniciou a sua carreira assim que terminou o curso. Desde abril deste ano, é assessora no Ministério de Agricultura e Pescas. “É um trabalho bastante dinâmico e que exige grande responsabilidade e visão estratégica sobre o futuro do setor agrícola”.
“Acompanho reuniões e eventos importantes para o desenvolvimento de estratégias que possam apoiar os agricultores, contribuindo para uma maior sustentabilidade e eficiência na produção alimentar”, destaca. Para além disso, Ana é responsável pela preparação de relatórios, análise de políticas públicas e assessoria em matérias relacionadas com o setor da agricultura.
Um brinde após 30 anos
Aos 48 anos, Manuel Lima Ferreira é chefe do Serviço de Prova do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP). Entrou no curso no ano letivo de estreia, 1994/1995, e integrou a primeira vaga de licenciados – na altura de Engenharia de Ciências Agrárias. Sentiu-se desde logo cativado pelas áreas da viticultura e enologia. Pouco tempo depois de terminar o curso, candidatou-se a um lugar na Câmara de Provadores (atual IVDP) e foi selecionado. Hoje ocupa um cargo de grande responsabilidade na área para garantir a avaliação sensorial dos vinhos aptos para a classificação DOP (Denominações de Origem Protegida) Porto e Douro e Indicação Geográfica Duriense.
Quando tinha 33 anos, tornou-se o primeiro português a conseguir o “Diploma” – o prestigiado certificado da instituição britânica Wine and Spirit Education Trust (WSET). Para alcançar esta conquista, Manuel Lima Ferreira provou vinhos de todo o Mundo e de todo o tipo, passou centenas de horas a estudar e aplicar-se a fundo em exigentes exames práticos, sendo que havia provas em que tinha de identificar as castas e o país de origem do vinho.
Trinta anos depois de entrar no curso, Manuel Lima Ferreira não se arrepende da sua escolha: foi “deveras interessante e diversificado”.
Para os próximos 30, o diretor de curso Albano Beja Pereira espera que possa haver uma renovação de gerações. “Precisamos muito de pessoas formadas em engenharia agronómica para o grande cluster alimentar que existe no Norte”, apela o docente.
No Norte, zona de clima atlântico, e com uma distribuição mais homogénea das chuvas, é onde estão os grandes produtores de hortícolas e onde há melhores condições para o cultivo destes alimentos. Num curso com uma forte componente tecnológica, docentes, investigadores e estudantes concordam que é importante cultivar a ideia de que a agricultura é o presente e o futuro: para que nunca falte a comida no prato.