Um trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) aponta para a existência de uma distribuição espacial das doenças neurodegenerativas em Portugal e para a importância de fatores ambientais, sobretudo poluentes atmosféricos, nessa distribuição.

Coordenado por Hernâni Gonçalves, professor da FMUP, este trabalho traçou um mapa que cruza as concentrações de poluentes com a incidência e a geografia das doenças neurodegenerativas, como a demência (incluindo Alzheimer), a doença de Parkinson e a esclerose múltipla, caracterizadas por um declínio progressivo da função cerebral.

“A idade, o sexo, a hipertensão, a diabetes, lesões, tumores, hábitos tabágicos e consumo de álcool são os fatores de risco mais comuns de doenças neurodegenerativas. No entanto, a influência dos fatores ambientais é pouco conhecida”, afirma Mariana Ramos Oliveira, que se doutorou em Ciência de Dados de Saúde na FMUP com este trabalho, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Os autores sublinham que cada vez mais estudos consideram que os níveis excessivos de poluentes ambientais, que afetam mais de 90% da população mundial, estarão a ter impacto no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Esta relação pode explicar-se pelos efeitos dos poluentes no sistema nervoso central, provocando inflamação, toxicidade, stress oxidativo e lesões.

Estudo inédito em Portugal

Embora estes efeitos estejam descritos, há ainda poucos estudos que cruzem os níveis destes poluentes a nível geográfico e ao longo do tempo com dados de saúde, como os internamentos.

Em Portugal, os resultados da investigação da FMUP, que visa colmatar essa lacuna, apontam para “correlações significativas” entre as hospitalizações de pessoas com doenças neurodegenerativas e “praticamente todas as variáveis ambientais, sobretudo com o dióxido de azoto (NO2) e as partículas com diâmetro menor de 10 µm (PM10)”. A principal fonte destes poluentes é a queima de combustíveis fósseis, como a gasolina e o gasóleo.

Os dados ambientais foram obtidos a partir de imagens de satélite usando o Google Earth Engine e de estações meteorológicas disponíveis através das plataformas QualAr, IPMA e MITECO. Esta informação foi cruzada com dados de internamento de pessoas com patologias neurodegenerativas em hospitais públicos portugueses.

Estes resultados estão em linha com as duas revisões sistemáticas de literatura que a mesma equipa realizou, com estudos a nível mundial publicados entre 2000 e 2023, nas quais encontrara já uma relação significativa entre as doenças neurodegenerativas e os níveis de dióxido de azoto (NO2), de óxido de nitrogénio (NOX) e de partículas finas, como o PM2.5, medidos sobretudo na área de residência dos doentes.

As conclusões desta investigação sugerem que “correlacionar a geografia das hospitalizações e os níveis de poluentes poderá ajudar, no futuro, a planear intervenções e políticas de saúde pública”. O objetivo é consciencializar a população para o papel do ambiente e ajudar as autoridades e os profissionais de saúde a preverem onde estão os doentes com maior risco de virem a desenvolver estas doenças.

A par de Mariana Ramos Oliveira e Hernâni Gonçalves, da FMUP, também Alberto Freitas, da FMUP, e Ana Cláudia Teodoro, da FCUP, participaram nesta investigação, que já deu origem a vários artigos científicos publicados em revistas internacionais.