A tuberculose é uma doença infeciosa que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, afeta mais de 10 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, em 2022, registaram-se 1518 casos da doença, números que reforçam o decréscimo da doença nos países economicamente mais favorecidos. É precisamente nestas regiões, de baixa incidência, que vigora uma estratégia de eliminação da doença, que pressupõe “que somos capazes de diagnosticar e tratar precocemente a doença, cortando com cadeias de transmissão, ao mesmo tempo prevenimos casos futuros”, explica Raquel Duarte, médica e docente do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade o Porto, que se tem dedicado ao estudo da doença.

Embora a tuberculose esteja a diminuir, algumas populações enfrentam circunstâncias que aumentam o risco de exposição ou de progressão da doença, como pessoas a viver com VIH, consumidores de drogas, álcool ou tabaco, pessoas que vivem em grandes aglomerados populacionais (como a população prisional) e trabalhadores expostos a poeiras como a sílica.

“É crucial garantir o acesso ao diagnóstico, tratamento e prevenção para todas as pessoas, assegurando que identificamos e respondemos às necessidades das populações com maior risco de exposição ou desenvolvimento da doença”, acrescenta Raquel Duarte.

O caso do sistema prisional e dos trabalhadores de pedreiras

No caso de pessoas privadas de liberdade, sabe-se que o risco de transmissão é elevado. Um estudo recentemente publicado por uma equipa do ICBAS analisou o protocolo que tinha sido desenhado entre o Programa Nacional para a Tuberculose e a Direção Geral de Reinserção dos Serviços Prisionais, que procurava garantir que pessoas diagnosticadas com tuberculose em sistema prisional, no momento em que eram libertados, continuavam o seu acompanhamento médico para curar a doença e prevenir a sua propagação.

“O protocolo pretendia também melhorar a comunicação entre os serviços de saúde da prisão e da comunidade, estabelecer as melhores práticas de rastreio de contactos e criar um comité técnico colaborativo para coordenar e avaliar o protocolo”, explica a investigadora Ana Aguiar.

“Um dos aspetos mais salientados pelos profissionais de saúde entrevistados no âmbito deste estudo foi baixa literacia das pessoas em situação de privação de liberdade influenciava a procura de cuidados de saúde, atrasando processos de diagnóstico e tratamento, bem como impactando a prevenção da doença”, nota Ana Aguiar.

Inseridos na estratégia de eliminação estão os rastreios a populações de risco. Neste sentido procurou-se analisar e calcular o custo-benefício do programa de rastreio na perspetiva da sociedade, em grupos de trabalhadores de pedreiras (grupo de alto risco de desenvolver doença).

De acordo com a investigadora Ana Sofia Sousa, este estudo revelou dados importantes validando que o benefício monetário de um programa de rastreio da tuberculose infeção dirigido aos trabalhadores das pedreiras numa zona de elevada incidência foi superior ao seu custo, isto é, “as empresas e os trabalhadores pouparam substancialmente mais dinheiro”. O desenvolvimento de testes de diagnóstico de tuberculose infeção que sejam melhores preditores da progressão para a doença da TB poderia reduzir os custos do SNS no futuro.

“Combater o estigma que ainda existe”

Avaliar e monitorizar as várias estratégias que estão no terreno como os trabalhos descritos é fundamental para continuar a desenvolver uma estratégia focada na eliminação da doença.

Para Raquel Duarte, trabalhos como estes, em grupos de risco, são igualmente importantes para “garantir que a mensagem final é que a tuberculose é curável e possível de prevenir, fundamental para combater o estigma que ainda existe”.

Apesar dos avanços que tem vindo a ser feitos, a docente e investigadora do ICBAS salienta que a tuberculose “não é uma doença do passado. Existe entre nós, mas é diagnosticável e curável”, destacando a “importância e envolvimento de diferentes interlocutores, e de uma abordagem centrada no doente, nas suas necessidades, crenças e meio. Assim, conseguiremos trabalhar para reduzir o tempo de diagnóstico, para garantir acesso fácil a informação, aumentar a adoção de comportamentos preventivos por parte dos grupos de risco, identificar as pessoas com maior risco de exposição, garantindo que são rastreadas e que fazem o tratamento preventivo até ao fim. Portanto, tudo isto tem de ser uma abordagem multidisciplinar”, conclui a docente.