Em plena era do aquecimento global, investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) fazem parte da equipa responsável pelo estudo publicado na revista Nature Microbiology que demonstra que um conjunto especial de algas parece estar entre os principais produtores de um composto anti-stress que, quando clivado por bactérias ou algas, ajuda no arrefecimento do clima. 

O composto dimetilsulfoniopropionato, mais conhecido como DMSP, não é novo para a ciência. É uma das moléculas orgânicas de enxofre mais abundantes na Terra, desempenhando um papel muito importante no ciclo global do enxofre. É produzido em ambientes marinhos como composto anti-stress, fonte de alimento e é a principal fonte de gases de arrefecimento do clima.

Todos os anos, milhares de milhões de toneladas de DMSP são produzidas nos oceanos por microrganismos marinhos, ajudando-os a sobreviver e protegendo-os contra vários tipos de stress, tais como alterações na salinidade, frio, alta pressão e stress oxidativo. Mas outra caraterística importante do DMSP é o facto de ser a principal fonte de um gás que promove o arrefecimento do clima, o dimetilsulfureto (DMS). Este gás é facilmente detetado por qualquer pessoa, pois é responsável pelo cheiro familiar a maresia que preenche as nossas memórias à beira-mar.

O estudo “Alternative dimethylsulfoniopropionate biosynthesis enzymes in diverse and abundant microorganisms,” agora publicado na revista Nature Microbiology, envolvendo investigadores da equipa de investigação Produtos Naturais de Cianobactérias do CIIMAR, Pedro Leão e Ana Vieira, identifica as novas enzimas responsáveis pela síntese de DMSP em diversas bactérias, cianobactérias fotossintéticas e algas.

A equipa mostrou também que um grupo muito particular de algas marinhas, as Pelagophyceae, que formam blooms, parecem ser importantes produtoras de DMSP. Além disso, pelo facto de se encontrarem entre as algas mais abundantes do planeta, parece que podem ser responsáveis pela produção de DMSP.

Testar uma miríade de organismos

A equipa de investigação envolvida neste estudo identificou as enzimas responsáveis pela síntese de DMSP em vários microrganismos, incluindo estirpes da coleção LEGE-CC do CIIMAR. Ao procurar a atividade destas enzimas nestes organismos, conseguiram perceber quais são os mais dinâmicos na produção de DMSP. E a surpresa chegou quando os investigadores perceberam que, entre as bactérias e algas testadas, as microalgas Pelagophyceae poderiam estar entre os maiores produtores de DMSP. Esta possibilidade, aliada ao facto de estas serem das algas mais abundantes no planeta, apesar do seu pequeno tamanho, coloca-as entre os principais aliados no arrefecimento do clima.

“A nossa capacidade de compreender os ciclos dos elementos e a forma como estes influenciam o clima do nosso planeta depende do nosso conhecimento dos processos químicos e biológicos que ocorrem na Terra. O DMSP é um composto com relevância global, particularmente nas alterações climáticas. Agora que foi descoberta uma nova forma de os organismos sintetizarem este composto, bem como uma gama adicional de organismos que o fazem, e em quantidades apreciáveis, podemos incluir estes elementos na equação do ciclo do enxofre”, explica Pedro Leão.

O líder da equipa de Produtos Naturais de Cianobactérias indica ainda que “este estudo demonstra que existem outras enzimas capazes de gerar DMSP em diferentes organismos. Com isto, podemos inferir que os organismos que possuem este gene e o expressam, geram DMSP, e assim inferir a presença e produção desta molécula por determinados organismos à escala global e em vários ambientes”

O trabalho no CIIMAR

Através da identificação de genes para as enzimas de síntese de DMSP, os investigadores da Universidade de East Anglia (UEA) reconheceram a cianobactéria Zarconia navalis da coleção LEGE-CC como uma possível candidata à produção de DMSP. Assim se iniciou a colaboração com os investigadores do CIIMAR que conseguiram confirmar a produção de DMSP por esta cianobactéria. De acordo com Ana Vieira, investigadora da equipa de Produtos Naturais de Cianobactérias “depois de uma primeira confirmação, os investigadores do CIIMAR mobilizaram-se para fazer crescer esta cianobactéria em diferentes condições, nomeadamente diferentes concentrações de sal e de azoto/nitrogénio para testar de que forma isso afetava a produção deste composto”. Este tipo de trabalho experimental”. Este tipo de trabalho experimental permite-nos compreender a dinâmica da produção destas enzimas e a forma como estas respondem às condições ambientais e de stress.

Como é que o arrefecimento climático acontece com o DMS?

Quando o gás DMS é libertado para a atmosfera, sofre um processo de oxidação ao entrar em contacto com o ar. O produto resultante ajuda a formar nuvens que reflectem a luz solar para longe da Terra, arrefecendo o planeta. Este processo natural é essencial para a regulação do clima da Terra e é também extremamente importante para o ciclo global do enxofre, uma vez que, durante este mesmo processo bioquímico, o enxofre dos oceanos é também devolvido à terra.

O estudo dos investigadores do CIIMAR sugere que a produção de DMSP, e consequentemente a libertação de DMS, é superior ao esperado, precisamente agora que o clima está mais quente. Este facto parece sugerir um papel fundamental dos seus microrganismos produtores na regulação do clima global. O DMS tem também outras propriedades interessantes, atuando como molécula sinalizadora: orientando os organismos marinhos para o seu alimento e dissuadindo os predadores.

Mais investigação no futuro

Os investigadores afirmam que é necessário continuar a estudar as algas Pelagophyceae no seu ambiente natural para compreender melhor o processo de produção de DMSP, bem como para medir melhor os níveis ambientais de DMSP, as taxas de produção e degradação e a abundância de enzimas envolvidas na sua produção.

O estudo “Alternative dimethylsulfoniopropionate biosynthesis enzymes in diverse and abundant microorganisms” foi uma colaboração entre o Professor Jonathan Todd da Universidade de East Anglia (UEA) e investigadores da Ocean University of China (OUC), com contribuições da Universidade Agrícola de Qingdao, CIIMAR, Universidade de Shandong e do Laboratório Laoshan em Qingdao, China.