Com mais de 1,5 mil milhões de objetos, trata-se do o maior e mais detalhado mapa da Via Láctea, na banda do infravermelho. São 500 Terabytes de dados, acumulados ao longo de mais de 13 anos de observação com o telescópio VISTA, do Observatório Europeu do Sul (ESO). Resulta das campanhas de observação VISTA Variables in the Via Láctea (VVV) e VISTA Variables in the Vía Láctea eXtended (VVVX), que contaram com uma imensa equipa internacional de investigadores, incluindo Nanda Kumar, colaborador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) na Universidade do Porto.
Para chegar a este mapa inédito da nossa galáxia, a equipa usou o instrumento VIRCAM, instalado no telescópio VISTA (Visible and Infrared Survey Telescope for Astronomy, ou Telescópio de Pesquisa para Astronomia no Visível e Infravermelho), que ao observar na banda do infravermelho, consegue ver através da poeira e do gás que permeiam a nossa galáxia. Assim, este instrumento consegue revelar os locais mais ocultos da Via Láctea, abrindo uma janela única para a nossa vizinhança galáctica.
“O que torna estes rastreios únicos é o imenso potencial para abordar os mais variados temas científicos. Recorrendo exatamente aos mesmos dados, há uns anos eu estava a investigar estrelas jovens massivas e agora estou à procura de estrelas de neutrões que agregam matéria escura”, explica Nanda Kumar, que participou em ambas as campanhas na qualidade de investigador associado do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP).
Este gigantesco conjunto de dados, que inclui mais de 200 000 imagens, cobre uma área do céu equivalente a 8600 luas cheias, e contém dez vezes mais objetos do que o anterior mapa mais detalhado, produzido pela mesma equipa em 2012.
420 noites a observar a imensidão
O mapa agora revelado contém, por exemplo, estrelas recém-nascidas, frequentemente ainda obscurecidas por casulos de poeiras circundantes, ou enxames globulares de estrelas – densos aglomerados de milhões de estrelas, algumas delas das mais antigas na Via Láctea. Ao observar no infravermelho, o VISTA também consegue detetar objetos mais frios, mas que brilham nesta banda, tais como anãs castanhas ou planetas errantes.
“Nós usámos estas medições de variabilidade em estrelas jovens de grande massa, para descobrir a variação da luz infravermelha que resulta quando estes objetos jovens engolem grandes quantidades de gás, para crescerem e se tornarem massivos”, refere Nanda Kumar.
As observações destas campanhas começaram em 2010 e estenderam-se até ao primeiro semestre de 2023, somando 420 noites de observação. Isto permitiu à equipa observar várias vezes as mesmas zonas do céu, que assim conseguiu determinar não só as posições destes objetos, mas também medir o seu movimento e se o brilho destes se alterou.
A equipa mapeou estrelas cuja luminosidade varia periodicamente, que podem ser usadas como velas padrão – “réguas cósmicas” para a medição de distâncias no Universo. Isto permitiu aos investigadores ter uma visão tridimensional das regiões mais centrais da Via Láctea, que antes estavam obscurecidas por poeiras.
A equipa também conseguiu seguir estrelas hipervelozes – estrelas catapultadas pela gravidade do buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea.
Os dados obtidos pelas campanhas VVV e VVVX já deram origem a mais de 300 artigos científicos. Mas agora que são públicos, estes dados irão continuar a ser analisados e a produzir novas descobertas durante as próximas décadas.
O trabalho desenvolvido durante estas campanhas servirá ainda de preparação para definir e planear projetos com o telescópio espacial Nancy Grace Roman (NASA), com lançamento previsto para 2026, o primeiro com capacidade para ir além dos dados do VVV/VVVX em tão grande escala.