Entre pintura e escultura, cerca de 60 peças provenientes da coleção Manuel Brito assumem a função de “um receituário para a liberdade”. Paula Rego, Lourdes Castro, Maria Helena Vieira da Silva, Graça Morais, Arpad Szenes, Nikias Skapinakis, Júlio Pomar e Júlio Resende são alguns dos artistas representados em O nome igual nos dois ?,  exposição que vai ficar patente de 26 de setembro a 25 de janeiro de 2025, nas Galerias da Casa Comum (à Reitoria) da Universidade do Porto.

O “Salazar” fica à porta

No ano em que celebramos os 50 anos da revolução de Abril, a U.Porto elege obras que representam atos de resistência à opressão e ao exercício de liberdade. É o caso de António Dacosta, representado com uma peça que, embora oficialmente não tenha título, foi oficiosamente designada de “Salazar”. A espátula, objeto comum do atelier e da cozinha, surge-nos aqui com aspeto sujo e manchado, transitando entre significado e significante, objeto e representação, suscitando a ideia de uma utilização ambígua.

Hugo Barreira, curador d’ O nome igual nos dois?, afirma que “este é também um dos propósitos da arte”, ou seja, “representar, poética ou literalmente”, mas também “documentar este país”, então sob os desígnios de um “tiraninho que não bebia vinho nem até café”, citando o poeta Fernando Pessoa.

Vai ficar “à porta da exposição”, este “Salazar” de António Dacosta, confrontando o cabisbaixo Homem sentado, de Augusto Gomes, e trazendo-nos à memória “uma resistência tímida” por parte de alguns pintores enquadrados “numa estética ‘de pé-rapado’ como dizia o regime”, recorda o curador.

António Dacosta, sem título (Salazar), 1979, Pormenor. (Foto: DR)

Um desafio ao Estado Novo

Entrar na primeira sala é sentir a energia do período controlado pelo regime ditatorial, ensombrado pela II Guerra Mundial. A Europa jaz, obra de José de Almada Negreiros, confronta-se com a máscara africana de José Guimarães, numa alusão direta às questões pós-coloniais. Sombras e chocolates e Sombra laranja são trabalhos de Lourdes Castro, uma das fundadoras do grupo de artistas (exilados) e da revista KWY (três letras que não constam do alfabeto português). Foi a partir dos anos 1960 que este Grupo KWY se começou a apresentar formalmente nas exposições como um coletivo artístico.

A segunda sala revela talvez uma faceta menos conhecida desta artista nascida na cidade do Funchal, ilha da Madeira: um desenho de Lourdes Castro, a lápis de cor sobre papel, encarna o espírito da transcendência e do feminino que domina todo o espaço. Aqui está também representada Paula Rego, outro nome incontornável do panorama artístico português que o Estado Novo afastou para fora das fronteiras do pais e que, neste caso, se refugiou em Londres, a capital britânica.

A olhar-nos lá do fundo, desde que entrámos na primeira galeria, está Bicyclette (Shooting Color), a obra de Arman que se impõe, na terceira sala, essencialmente dominada por questões de pintura, representação e receção da arte, aproximando-nos, sublinha Hugo Barreira, “do que é a arte”, e as respetivas “liberdades e transgressões artísticas”. Aqui, o visitante vai poder viajar entre a nova abstração de António Palolo e as reminiscências do surrealismo na pintura de Henrique Ruivo, ou do impressionismo de Urbano. Ao centro, a escultura fitangular de Ascânio, com uma reprodução de uma fotografia de Alfredo Cunha, evoca o colecionador Manuel de Brito.

Lourdes Castro, Sombra Laranja, s.d. (Foto: DR)

Espécie de receituário com reflexões sobre a liberdade, quer no sentido político, social ou artístico, a exposição apresenta obras provenientes da Coleção Manuel de Brito, referência no universo dos galeristas e livreiros em Portugal no século XX, à qual o filho, Manuel Brito, deu continuidade na presente coleção.

“Como em qualquer receituário, às receitas tradicionais e à sua reinterpretação, juntam-se as novas aquisições com o passar das gerações”, acrescenta Hugo Barreira. O título foi retirado de um quadro de Júlio Pomar, intitulado Golo, que presta, efetivamente, homenagem ao filho. No canto inferior direito do quadro pode ler-se “O mesmo nome nos dois? É o mesmo, não o mude. No caso de ser Manuel Brito, pois!”.

Com inauguração marcada para dia 26 de setembro, às 18h30, a exposição O nome igual nos dois? estará patente até 25 de janeiro de 2025, nas Galerias da Casa Comum, e será acompanhada de um programa paralelo de atividades que se enquadram no âmbito da Prescrição Cultural.

A exposição pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 10h00 às 13h00 e das 14h30 às 17h30. Ao sábado, as visitas decorrem das 15h00 às 18h00.

A entrada é livre.