Uma equipa de cientistas de 33 países europeus, entre os quais se incluem investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), está a colaborar no âmbito de um projeto pioneiro à escala continental – o Atlas Europeu de Genomas de Referência (ERGA) -, cujo propósito é desvendar o património genómico de 98 espécies existentes em Portugal e na Europa, contribuindo para o seu conhecimento e conservação.
O conhecimento acerca dos genomas das espécies fornece dados centrais para os esforços dirigidos à sua conservação, tornando-se fonte de informação para medidas de gestão e políticas públicas. Através da análise dos indivíduos, e das populações em que estes estão inseridos, a genómica (ciência que estuda os genomas) permite avaliar o estado do património genético de cada espécie e a sua capacidade de responder aos diferentes desafios ambientais que lhe são impostos, como sejam as alterações climáticas e outras pressões antropogénicas.
Numa altura em que as diferentes atividades humanas continuam (e até intensificam) a pressão sobre a biodiversidade, e degradam os ecossistemas e os serviços que estes nos prestam, a genómica ajuda, por exemplo, a compreender se as populações se estão a expandir ou a retrair, se estão conectadas – trocando variação genética entre si através da migração – ou isoladas, ou ainda se conseguem adaptar-se a fenómenos climáticos capazes de as levar ao limite, como temperaturas altas, escassez de água, entre outros.
Foi neste contexto que nasceu o ERGA, cujos primeiros resultados acabam de ser divulgados em dois artigos independentes, mas associados, na revista internacional npj biodiversity.
Entre as 98 espécies com os segredos dos seus genomas agora desvendados, incluem-se seis que apresentam estatutos de endemismo ou de ameaça consideráveis em Portugal: o saramugo (Anaecypris hispanica), pequeno peixe criticamente ameaçado, que se destaca enquanto um dos mais vulneráveis à extinção em toda a Península Ibérica; a endémica lebre-ibérica (Lepus granatensis), espécie-chave dos ecossistemas ibéricos, em declínio devido a doenças virais; o louro-da-terra (Laurus azorica), que existe apenas nos Açores e cuja persistência está em causa devido à degradação do seu habitat; o chasco-preto (Oenanthe leucura), uma ave criticamente ameaçada e cuja população de apenas 100 casais somente persiste na região agrícola do Douro; a camarinha (Corema album), habitante dos cordões dunares, de fruto comestível e com alto valor nutricional, sujeita às pressões do desenvolvimento socioeconómico do litoral; e o pequeno escaravelho-cavernícola-da-Ilha-Terceira (Trechus terceiranus).
A representação portuguesa no conselho do ERGA é coordenada pelos investigadores José Melo-Ferreira, do BIOPOLIS-CIBIO e da FCU, e Vítor C. Sousa, do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O consórcio Biogenoma Portugal
Um dos artigos publicados assinala também a primeira apresentação do Biogenoma Portugal, um consórcio em formação que junta uma equipa de mais de 50 biólogos e ecólogos portugueses, unidos numa missão partilhada de salvaguarda do património genético e conservação das espécies existentes em território nacional,
Este consórcio interinstitucional procura cimentar as relações da comunidade nacional de investigadores e promover a sua formação contínua, conectando-os com redes internacionais e com a sociedade.
O Biogenoma Portugal é o braço do ERGA a nível nacional que, por sua vez, faz parte do “Projeto para o Biogenoma da Terra”, uma iniciativa global liderada por Harris Lewin, Professor na Arizona State University (EUA), e que procura desvendar o património genómico de 1.5 milhões de espécies.
O investigador norte-ameriano destaca o ERGA enquanto “o primeiro projeto de genómica de biodiversidade coordenado à escala continental” e prova do sucesso dos princípios de distribuição geográfica dos esforços e partilha do conhecimento.