Uma investigação com 30 anos chegou finalmente ao seu desfecho com a colaboração dos investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade (CIIMAR-UP) na descoberta da estrutura química de uma família de compostos – as leptochelinas – produzidos por cianobactérias marinhas.
As leptochelinas são compostos com aparente potencial citotóxico produzidos pelas cianobactérias do género Leptothoe. Estas moléculas revelam um grande potencial biotecnológico para a produção de medicamentos contra o cancro e como agentes quelantes com utilizações que podem ir desde a indústria farmacêutica, indústria alimentar, agricultura e a reciclagem de metais, entre outras aplicações de biorremediação.
Desde que foram descobertas pela primeira vez em 1994 a partir de cianobactérias marinhas recolhidas na ilha de Sulawesi, na Indosésia, por investigadores pertencentes ao Center for Marine Biotechnology and Biomedicine, na Califórnia (Estados Unidos), estas moléculas deixaram investigadores de todo o mundo sob uma onda de dúvidas durante 30 anos.
Dada a complexidade estrutural destas moléculas e aos recursos analíticos disponíveis à época, as suas estruturas químicas permaneceram por elucidar. Identificadas novamente em 2007 numa estirpe de cianobactéria encontrada no Mar Vermelho (El Aruk, Egito) por investigadores da College of Pharmacy, Oregon (EUA) e, finalmente, em 2018, em cianobactérias descobertas por uma equipa de investigadores do CIIMAR, durante uma expedição científica do projeto no âmbito do projeto EMERTOX à ilha de São Vicente (Cabo Verde), as leptochelinas mantiveram a sua estrutura complexa e altamente conservada e inacessível. Até agora…
As descobertas ao longo destes anos impulsionaram os investigadores a finalizar a estrutura química destas moléculas enigmáticas. As as três equipas, com a colaboração de outros grupos de investigação, uniram capacidades e conseguiram finalmente elucidar a estrutura das leptochelinas recorrendo a técnicas avançadas de análise estrutural e genómica. A equipa do CIIMAR foi liderada pela investigadora do CIIMAR Mariana Reis com a colaboração dos investigadores Leonor Ferreira, João Morais e Vitor Vasconcelos.
Passados 30 anos da sua primeira descoberta, os resultados foram finalmente revelados num artigo intitulado Leptochelins A–C, Cytotoxic Metallophores Produced by Geographically Dispersed Leptothoe Strains of Marine Cyanobacteria, publicado no prestigiado Journal of the American Chemical Society (JACS), da Sociedade Americana de Química.
O potencial biotecnológico
Além de ter sido possível revelar a estrutura molecular das leptochelinas, este trabalho permitiu também conhecer o seu verdadeiro potencial biotecnológico. Além de confirmarem as suas propriedades citotóxicas, que permitem aplicações médicas na luta contra o cancro, os investigadores descobriram que estas moléculas possuem também propriedades quelantes de metais, conferindo-lhes potencial para usos na indústria farmacêutica, indústria alimentar, agricultura e biorremediação.
“Estes tesouros químicos esperaram 30 anos para serem finalmente descobertos!”, destaca Mariana Reis, investigadora na equipa de Biotecnologia azul, saúde e ambiente do CIIMAR e primeira coautora do artigo.
De acordo com a invstigadora, “o estudo revelou que as leptochelinas são estruturalmente complexas e altamente conservadas entre as diferentes estirpes de cianobactérias, independentemente das suas origens geográficas distintas. Além de serem citotóxicas, este grupo de moléculas também possui propriedades quelantes de metais. Esta capacidade confere aos organismos produtores inúmeras vantagens, facilitando a aquisição de metais essenciais para a vida e protegendo os contra a toxicidade de outros metais”.
As leptochelinas – assim nomeadas m honra aos seus organismos produtores, cianobactérias do género Leptothoe – mostraram igualmente uma notável capacidade de se ligar a metais como cobre, ferro, cobalto e zinco, com implicações importantes para a adaptação ecológica das cianobactérias.
O que são agentes quelantes?
Agentes quelantes de metais são moléculas que se ligam a iões metálicos, formando complexos solúveis que podem ser facilmente removidos de um sistema. Estes agentes são usados em diversas áreas, desde a medicina, para tratar intoxicações por metais pesados, na agricultura para melhorar a disponibilidade de nutrientes, na indústria alimentar como conservantes, e em processos de biorremediação para remover contaminantes metálicos do ambiente.
“Um exemplo interessante de agente quelante natural é a deferoxamina, produzida pela bactéria do solo Streptomyces pilosus. Utilizada na prática clínica, principalmente no tratamento da sobrecarga de ferro em doenças como a hemocromatose, esta molécula sequestra o ferro no organismo, auxiliando na sua excreção pela urina e prevenindo danos associados ao seu excesso” explica Mariana Reis.
Outro exemplo é o ácido cítrico utilizado, um agente quelante natural, muito usado no sector alimentar para aumentar a estabilidade e melhorar o sabor de alimentos, ou em produtos de limpeza para ajuda a remover depósitos de cálcio. Na agricultura, agentes quelantes como o DTPA (ácido dietilenotriaminopentacético) são usados para melhorar a disponibilidade de micronutrientes no solo ajudando a manter os metais como o ferro, o zinco e o cobre solúveis e acessíveis para as plantas.
Também na biorremediação, os agentes quelantes estão a ser usados para extrair o lítio de maneira eficiente permitindo a sua recuperação para ser reutilizado na produção de novas baterias, contribuindo para a sustentabilidade e a redução do impacto ambiental causado pela extração de lítio novo.
“A utilização de quelantes em biorremediação, portanto, não só facilita a recuperação de metais valiosos, como o lítio, mas também ajuda a reduzir o desperdício e a necessidade de mineração, promovendo uma economia mais circular e sustentável” indica a investigadora.
“Novas fronteiras na investigação marinha e biotecnológica”
“A descoberta de novos produtos naturais frequentemente surge da necessidade de identificar novas estruturas químicas que possam ser desenvolvidas para melhorar a nossa qualidade de vida, incluindo medicamentos, tintas, cosméticos, entre outros”, explica Mariana Reis.
“Além deste propósito prático, os químicos especializados em produtos naturais são também exploradores de novidades, investigando novas estruturas químicas e procurando compreender por que determinados organismos produzem certas moléculas”, acrescenta a investigadora, lembrando a descoberta de novas moléculas de origem natural desempenha “um papel crucial” na proteção da biodiversidade e na conservação dos recursos naturais.
Os resultados deste estudo destacam precisamente a capacidade das cianobactérias marinhas de produzir compostos naturais com potencial para aplicações biomédicas significativas, incluindo inspirar e desenvolver novas terapias contra o cancro.
Segundo Mariana Reis, “esta descoberta não só amplia o nosso entendimento sobre a biodiversidade marinha, mas também abre portas para a utilização sustentável de recursos naturais em benefício da saúde humana”.
“Estou entusiasmada com o potencial deste estudo para abrir novas fronteiras na investigação marinha e biotecnológica. Espero que as nossas descobertas possam catalisar avanços significativos no tratamento do cancro e na compreensão do papel ecológico dessas moléculas na adaptação das cianobactérias a ambientes tão diversos. Além disso, espero que possamos explorar o seu potencial como quelantes de metais, beneficiando assim tanto a pesquisa biotecnológica quanto a conservação dos ecossistemas marinhos” remata.