Um estudo inovador em Portugal, desenvolvido pela médica e docente do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), Ana Zão, no âmbito do Programa Doutoral em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), revelou quais os principais fatores associados ao desenvolvimento de dor em músicos profissionais e estudantes de música, lançando pistas para uma avaliação mais precisa e um tratamento mais abrangente, também centrado na prevenção.

Sabe-se que a dor é o problema de saúde mais comum nos músicos, sendo fundamental atuar preventivamente. Apesar dos progressos verificados no que ao diagnóstico e tratamento diz respeito, os programas preventivos ainda escasseia. “Para colmatarmos este problema, é essencial compreender o que origina os quadros de dor, o que os potencia e quais os fatores de risco. É esta a linha de investigação que está subjacente a este trabalho”, explica Ana Zão.

Em Portugal, e mesmo a nível internacional, os dados sobre a saúde dos músicos são muitos escassos e inclusive pouco representativos, uma vez que os estudos que existem se centram em populações restritas, como músicos de orquestra profissionais.

Para a docente do ICBAS, é importante olhar-se para a classe de uma forma mais transversal, incluindo também outros músicos profissionais e estudantes de música, o que foi uma das inovações deste trabalho.

“Com esta investigação percebemos que, quando comparados os dois principais subgrupos de músicos, os estudantes de música e os grupos profissionais, a interferência da dor na performance parece ser superior nos estudantes de música, assim como os níveis de fadiga, ansiedade e depressão (os quais se mostraram globalmente elevados)”, nota Ana Zão.

Dados “muito significativos” que, para a docente e investigadora, “explicam os números cada vez maiores de crianças entre os 10 e os 12 anos em consulta com quadros de dor relacionada com a performance musical”, e “reforçam a importância de investigação em grupos mais abrangentes”. Mas que também são muito relevantes pois podem significar uma mudança de paradigma no futuro: “As novas gerações de músicos, que estão agora em formação, podem vir a ser músicos profissionais com maiores níveis de ansiedade, com tudo o que isso tem associado”, acrescenta.

Para além disto, este estudo – baseado num inquérito por questionário aplicado a 585 músicos, dos quais 294 estudantes – revelou ainda vários fatores associados ao desenvolvimento de dor, nomeadamente a idade, o sexo, hábitos alimentares e de consumo tabágico e alcoólico, e ainda hábitos relacionados com as rotinas performativas, como tocar há mais anos ou tocar mais tempo por dia sem fazer pausas.

Segundo Ana Zão, estes indicadores reforçam “a necessidade de implementação de boas rotinas em termos de programas de exercício e outras estratégias, como a prática mental – ou seja, aspetos mais específicos relacionados com performance que nos dão pistas sobre como melhorar do ponto de vista de formação académica dos músicos”.

Ana Zão é docente da unidade curricular “Medicina, Música e Mente” do ICBAS. (Foto: DR)(Foto: DR)

Aposta na prevenção e na literacia

A dor crónica associada à performance musical tem impactos muito negativos na vida dos músicos, podendo em algumas situações conduzir ao término precoce de percursos profissionais, para além de impactar a vida das pessoas em muitas outras áreas e atividades do quotidiano, desde o sono, às relações com os outros.

É por isso, essencial, para a médica fisiatra e primeira doutorada em Portugal em medicina dos músicos, olhar para estes problemas de forma estruturada e promover “em primeiro lugar, a sensibilização dos músicos para a procura precoce de cuidados de saúde especializados, é fundamental que sejam especializados porque a abordagem nesta área tem que ser diferente; em segundo incentivar a implementação das medidas preventivas e de mais programas direcionados para a literacia em saúde”.

Mais uma vez, a investigação aliada à prática clínica revela-se uma peça central para um tratamento mais eficaz, no que à medicina das artes diz respeito. Para Ana Zão, é evidente que estes resultados” mostram a que sinais os médicos devem estar atentos para ser capazes de desenvolver programas preventivos mais eficazes, mas também alertam para a importância de melhorar a formação académica dos músicos e dos médicos”

Neste sentido, o ICBAS e a Universidade do Porto são pioneiros, através da Unidade Curricular (UC) ‘Medicina, Música e Mente’, de que Ana Zão é regente. “Constitui um passo muito importante para sensibilizar os estudantes, futuros médicos, sobre estas questões. Nesta UC, abordamos a neurofisiologia da música, as potencialidades da música e restantes artes como intervenção terapêutica (e na prevenção e promoção de Saúde), mas também a vertente da medicina dos músicos, da medicina das artes performativas, área na qual temos neste momento vários estudantes de Medicina a desenvolver trabalhos de investigação, incluindo no contexto das suas teses de mestrado. Isto claro é uma enorme mais valia para o futuro desta área”, conclui.