Quem vai ao mar avia-se em terra – a metafórica lição do velho adágio português há de ter sido de alguma utilidade para os quatro estudantes que este ano garantiram o acesso à Universidade do Porto com as notas mais elevadas. Alexandra, Beatriz, Catarina e Tiago concluíram o Ensino Secundário com classificação máxima – 200 valores –  e, no momento de apresentar a candidaturas ao Ensino Superior, só tiveram de escolher onde queriam continuar os estudos. Elegeram todos a U.Porto, onde irão passar os próximos anos.

O ingresso na Universidade era, aliás, um objetivo que Tiago Fernandes, 18 anos, perseguia “desde pequeno”. O único representante masculino entre os novos “Quatro Vintes”* chega de Lordelo, em Paredes, para frequentar o curso de Matemática da Faculdade de Ciências (FCUP), convicto de que a U.Porto é “a melhor do país e uma das melhores da Europa”.

Para Tiago, a U.Porto acumula a vantagem de ser também a mais próxima do seu local de residência. Ainda assim, admite que o cansaço provocado pelas deslocações diárias entre Lordelo e o Porto acabem por se transformar numa das maiores dificuldades que terá de enfrentar neste novo ciclo, a par do “maior grau de dificuldade dos conteúdos e de um maior rigor e exigência na avaliação dos meus conhecimentos”.

A academia do Porto e o curso de Bioengenharia, “partilhado” pela Faculdade de Engenharia (FEUP) e pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), foram também a primeira e a única opção de Catarina Viegas. Esta viseense de 17 anos, voleibolista federada e bailarina, confessa que, “para além da proximidade a casa, do prestígio mundial da U.Porto e da diversidade de ofertas complementares que a Universidade propõe, pesou também o meu gosto inexplicável pela cidade do Porto”.

“Apesar do nervosismo constante, estou à espera de uma experiência incrível, a nível social, académico e pessoal. Espero conseguir criar uma forte rede de suporte que me faça sentir em casa”, acrescenta.

O “prestígio mundial da U.Porto” foi uma das razões que levaram Catarina Viegas a optar pela licenciatura em Bioengenharia da FEUP e do ICBAS. (Foto: DR)

Um mundo novo

“A Universidade do Porto é a única a nível nacional que tem o curso de Línguas e Relações Internacionais, cujo plano de estudos cativou logo o meu interesse por ser muito abrangente e abordar tópicos que acho muitíssimo interessantes; para além disso, é conhecida por ser das melhores universidades do país, reconhecida a nível nacional e internacional”, explica Alexandra Gonçalves, de 20 anos, uma famalicense de nascimento que chega do Castêlo da Maia para enfrentar “um mundo novo” cujas dificuldades e desafios entende como “oportunidades para crescer e aprender”.

Também Beatriz Neves da Silva, 18 anos, não necessitou de ficar à espera dos resultados do Concurso Nacional de Acesso para saber que entraria na Faculdade de Direito da U.Porto (FDUP). “Mesmo sendo um curso recente, adquiriu já, pela sua exigência, uma boa reputação. Para além disso, tenho interesse nas tradições académicas aqui do Porto. Creio que vão ser quatro anos bem passados”, antecipa  a outra representante do Castêlo da Maia entre os novos “Quatro Vintes” da U.Porto.

Para além de terem entrado na U.Porto com a classificação máxima, estes quatro novos estudantes têm em comum o otimismo e a convicção de que a Universidade, parafraseando o título de um poema de Gabriel Celaya, “é uma arma carregada de futuro”.

“É difícil perspetivar algo tão longínquo, mas espero ser portadora de excelentes memórias dos meus tempos de faculdade e de uma visão otimista do futuro. Espero [no fim do curso] estar apaixonada pelo Direito», afirma Beatriz Silva.

“Procuro, acima de tudo, ter uma mente aberta e experienciar tudo aquilo que o ensino superior tem para oferecer, tanto a nível académico como a nível social”, acrescenta esta amante de praia, livros, música, longas caminhadas, idas ao ginásio e saídas com amigos “nos dias apropriados”.

Beatriz Silva espera levar “excelentes memórias” da Universidade e do curso de Direito da FDUP. (Foto: DR)

Explicação de uma procrastinadora

Apesar das notas impecáveis e de toda esta atividade extracurricular, Beatriz confessa-se uma praticante da procrastinação — “um problema que tenho tentado colmatar ao longo do tempo” — e revela de que modo foi, mesmo assim, capaz de alcançar uma média de entrada tão elevada: “O mais determinante foram os professores que encontrei ao longo do caminho. Professores de excelência originam alunos de excelência. Em segundo lugar, a existência de uma rotina bem estruturada é fundamental. É necessário delimitar momentos ao longo do dia em que podemos descomprimir, focarmo-nos noutros projetos e cultivar a nossa vida familiar e social”.

“Algo que deu estrutura aos meus dias – acrescenta – foi o tempo passado nos transportes públicos. (…). Durante o secundário, perdia cerca de duas a duas horas e meia nas viagens, o que me obrigou a estar mais focada nos momentos de estudo. Devemos escolher os momentos do dia em que sentimos a nossa mente mais viva (no meu caso são as manhãs). Deste modo, poderemos estudar com qualidade e ainda assim ter tempo para viver uma existência não puramente académica».

Alexandra Oliveira tem uma receita diferente: “Gosto e persistência”. (…) Os meus pais sempre me disseram: ‘Só vais conseguir alcançar os teus objetivos amanhã se não desistires hoje’. É muito mais fácil estudar para algo quando temos um objetivo em mente e quando gostamos do que estamos a fazer. É claro que a organização e o trabalho são fundamentais, mas muitas vezes o que falta, e que muita gente não considera importante, é a motivação”, explica.

A maiata, aficionada de séries, filmes, passeios à beira-mar e, sobretudo, “livros que me fazem questionar tudo”, espera que a Universidade seja mais uma etapa de um caminho que, após um mestrado “e talvez um doutoramento” e um estágio no Parlamento Europeu, eventualmente a leve a seguir a carreira diplomática.

“Eu sempre gostei muito da área da diplomacia, de falar sobre a política internacional e de tentar perceber como as diferenças a nível cultural influenciam a forma como vemos não só o mundo, mas também uns aos outros, e de que modo isso afeta não só a sociedade em que vivemos, mas todo o contexto geopolítico”, afirma.

Alexandra Oliveira encara a licenciatura em Línguas e Relações Internacionais da FLUP como um possível “trampolim” para uma carreira diplomática. (Foto: DR)

“Recuso-me a desistir”

Mas Alexandra sabe que o percurso não será isento de dificuldades. “Tenho quase a certeza de que o Francês me vai dar umas boas dores de cabeça, como deu anteriormente, mas eu recuso-me a desistir. Num contexto mais geral, talvez [vá sentir] alguma pressão, porque perdi o meu pai há pouco tempo e emocionalmente ainda não sei bem como me sinto. Mas o importante é manter sempre um pensamento positivo, com os pés assentes na terra, e focar-se nos objetivos”.

Tiago Fernandes concorda: “Com determinação, dedicação e, claro, um bom sistema de apoio, todos conseguem atingir a média que desejarem. Apenas é preciso ser constante, não desistir e, obviamente, estar atento nas aulas e tentar compreender o que nos está a ser ensinado, assim como praticar e testar esse conhecimento”, afirma.

Este antigo centrocampista nos vários escalões de formação do Aliados F.C. de Lordelo espera que a Universidade lhe permita “crescer como pessoa”, conhecendo “muitas novas experiências e pontos de vista” diferentes, tornando-o um “melhor cidadão, mais instruído e participativo”.

Ex-aluno da Escola Secundária de Paços de Ferreira, Tiago continua a combinar os estudos com os jogos do seu clube, agora só como espetador, ao que soma as corridas, a música, os filmes, as séries e ainda os livros que lhe permitam “ter novas visões sobre o mundo”.

“Determinação, dedicação e um bom sistema de apoio” formam a receita que trouxe Tiago Fernandes à licenciatura em Matemática da FCUP. (Foto: DR)

O valor das experiências

Catarina Viegas também não desdenha, bem pelo contrário, as atividades extracurriculares. Para além do voleibol e do ballet – locais de “refúgio, onde me foco na minha prestação e em nada mais” –, a ex-aluna da Escola Secundária Alves Martins considera que a participação em “projetos, ideias, iniciativas e clubes” foram essenciais para os bons resultados obtidos. O resto, acrescenta, é a boa da gestão do tempo e o “aproveitamento máximo das aulas e dos recursos que a escola oferece, de forma a minimizar o estudo necessário em casa”.

Daí que, enquanto acumulava notas 20, Catarina se tenha envolvido no desporto escolar e em projetos de mentoria; foi candidata à associação de estudantes, pertenceu à brigada anti-bullying, e participou no programa Erasmus; foi a Taizé e apresentou “posters científicos em parceria com as universidades locais”.

“Numa altura em que se dá tanta importância aos resultados escolares e ao valor numérico que um aluno obtém, parece-me essencial que este também seja avaliado noutras facetas, pelo seu todo, pelas experiências vividas ao longo da sua formação académica, pela sua capacidade de iniciativa e pelos projetos em que se envolveu”, afirma.

Extenuada? Nem por isso. Catarina ainda tem vagar para “passar tempo de qualidade” com a família e o namorado, dos quais, confessa, vai sentir falta. “Acredito que o mais difícil [da Universidade] será estar separada das pessoas que me são próximas e aprender a viver sem elas constantemente ao meu lado”.

 

*”Os Quatro Vintes” é a denominação de um coletivo artístico formado em 1968 e composto por Jorge Pinheiro, Armando Alves, Ângelo de Sousa e José Rodrigues, batizado por analogia com uma marca de tabaco da década de 1960 — Três Vintes — e ironizando o facto todos terem terminado os respetivos cursos na Escola de Belas-Artes do Porto (atual FBAUP) com 20 valores.