Uma equipa de cientistas da Harvard Medical School, da qual faz parte o investigador José Pedro Castro, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), identificou mecanismos do envelhecimento e um estado celular (até à data desconhecido) que ajudam a transformar células de sistema imune em células cancerígenas, nomeadamente no linfoma de células B. Esta caracterização da progressão espontânea do cancro durante o envelhecimento através de alterações nas células foi explicitada num artigo científico publicado na revista Nature Aging e abre portas a novas estratégias farmacológicas de prevenção.
Embora o cancro seja uma doença relacionada com a idade, a forma como os processos de envelhecimento contribuem para a progressão do cancro permanece surpreendentemente desconhecida. Neste estudo, explica José Pedro Castro, primeiro autor do artigo, «descobrimos mecanismos moleculares e celulares que explicam como o processo de envelhecimento favorece o aparecimento de linfomas de células B».
Utilizando animais novos e animais velhos com e sem linfoma, esclarece o investigador do i3S, «olhámos para todos os genes ao mesmo tempo, ou seja, para a assinatura global dos genes, o que os regula e para as suas mutações, e descobrimos que com o envelhecimento forma-se um subtipo de células B que são maiores e mais clonais (homogéneas). Percebemos também que estas assinaturas globais do genoma e epigenoma são semelhantes às assinaturas globais de cancro em humanos».
Com o desenvolvimento desta investigação, acrescenta José Pedro Castro, a equipa descobriu que a formação deste subtipo de células B acontece em duas fases: «Primeiro as células normais do sistema imune passam para células ABC (células associadas ao envelhecimento) e depois estas ABC, ao interagirem entre si, transformam-se em ACBC (Age Clonal B Cells ou Células B Clonais Envelhecidas) e estas já possuem todo um programa de cancro. São células biologicamente muito mais envelhecidas que a idade do próprio animal e têm capacidade de divisão, proliferação e invasão de outros tecidos, são também altamente inflamatórias e isto é um grande problema para os tecidos».
Para comprovar as características destas células ACBC, os investigadores injetaram-nas em ratinhos novos que como consequência morreram precocemente com cancro, reduzindo-lhes significativamente a duração de vida. «Foi incrível constatar que começaram a morrer 30 dias após a injeção e dois meses e meio após o início da experiência, apenas 50 por cento dos animais estavam vivos», conta José Pedro Castro.
«Mas talvez haja esperança», sublinha o investigador. Num trabalho anterior, esta equipa já tinha conseguido identificar compostos farmacológicos que retardam o processo de envelhecimento e aumentam a longevidade com saúde, pelo que José Pedro Castro acredita que estes compostos consigam retardar o aparecimento destes linfomas e. talvez no futuro, seja possível eliminar doenças crónicas como o cancro». Na verdade, usando rapamicina (conhecida pelo efeito pro-longevidade) em animais envelhecidos, “foi possível reduzir aspetos do envelhecimento e cancro nestas células B”.
Mas o trabalho não ficou por aí. «A implicação e extrapolação para humanos parece ser altamente relevante”, já que usando dados genómicos publicamente disponíveis de sangue e outros tecidos, «encontrámos as mesmas assinaturas ACBC a aumentarem com a idade, especialmente em indivíduos com elevada clonalidade de células B, o que pode abrir caminho para novos biomarcardores de cancro ou outras doenças do envelhecimento”.
Em jeito de conclusão, esta equipa, além de descobrir um novo estado celular associado ao envelhecimento e cancro, também demonstrou uma nova abordagem que pode ajudar a entender melhor o envelhecimento e intervir em algumas doenças crónicas como o cancro.