Investigadores do Centro de Investigação do Instituto Português de Oncologia do Porto (CI-IPOP), do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Faculdade de Ciências (FCUP), e do Laboratório Associado para a Química Verde da Universidade do Porto – REQUIMTE (LAQV-REQUIMTE) estão a desenvolver uma vacina baseada em açúcares presentes nas células tumorais que pretende educar o sistema imunitário a responder contra tumores sólidos, contribuindo, desta forma, para o tratamento da doença oncológica.

Segundo o líder do projeto, José Alexandre Ferreira, investigador do grupo de Patologia e Terapêutica Experimental do CI-IPOP e docente do Departamento de Patologia e Imunologia Molecular do ICBAS, “o protótipo da vacina desenvolvido resulta de mais de uma década de trabalho, sendo que uma parte foi financiado por um projeto liderado pelo IPO que envolve também o i3S”.

Os investigadores começaram por perceber como é que os açúcares que cobrem as células se alteram com o cancro e com a progressão da doença, através da análise das alterações de padrões de glicosilação em vários tumores. No seguimento destas análises exaustivas descobriram que as células tumorais mais agressivas perdem a capacidade de expressar estes açúcares mais complexos e exuberantes, passando a expressar açúcares imaturos e muito mais simples.

Foi com esta descoberta que iniciaram esta investigação e que, posteriormente, tentaram identificar as proteínas que estavam associadas a estes açúcares e entender a sua função biológica. “Achámos que seria interessante criar ferramentas para ensinar o sistema imunológico a responder a células que tinham estas alterações de glicosilação, que são células muito envolvidas no processo de agressividade da doença e de disseminação”, explica José Alexandre Ferreira.

A investigação passou, ainda, por uma série de etapas, culminando no protótipo de vacina, entretanto já patenteada pelo IPO-Porto. Pelo caminho foram publicados também dois artigos em revistas científicas, mais especificamente na Journal of Controlled Release e na ACS Nano.

Uma vez que 80 por cento dos tumores sólidos, tanto em fases iniciais como muito avançadas, expressam estas alterações, “o espetro de aplicação será também muito grande”, sublinha o investigador. Esta alteração nos açúcares foi também identificada nas metástases, já que há evidências que se pode encontrar estes padrões de glicosilação em tumores de bexiga, gástricos e colorretal, entre outros.

Vacina “passou” nos testes com sucesso

Neste momento, a vacina encontra-se em fase pré-clínica, tendo já sido testada in vitro e in vivo no biotério do i3S pela investigadora Flávia Castro e por Rui Freitas e Andreia Miranda, estudantes de doutoramento do ICBAS a realizar investigação no CI-IPOP, sob supervisão do líder deste projeto e dos investigadores do i3S Bruno Sarmento e Maria José Oliveira.

“O objetivo era perceber se conseguíamos induzir uma resposta imunitária segura, específica e capaz de reconhecer células tumorais”, explica José Alexandre Ferreira, acrescentando que os resultados validaram a eficácia da vacina.

Para além de permitir gerar anticorpos que reconhecem as células tumorais, a vacina demonstrou ainda “criar alguma memória imunológica, o que abre portas para pensar numa proteção contra a recidiva”. No entanto, mesmo com estes “resultados promissores”, continuam por superar alguns desafios antes da sua aplicabilidade clínica, nomeadamente com o ambiente imunossupressor induzido pelos tumores mais agressivos.

Atualmente, a equipa já se encontra a explorar novas moléculas para aumentar a resposta imunitária e a combinar a solução com terapias já existentes. É precisamente ao nível molecular que entra o trabalho realizado nos Laboratórios do LAQV-REQUIMTE, no Departamento de Química e Bioquímica da FCUP. “O nosso papel no LAQV foi participar na identificação de alvos moleculares específicos das células tumorais, utilizando metodologias de proteómica baseada na espetrometria de massa”, descreve André Silva, investigador do LAQV-REQUIMTE, na FCUP, e docente no ICBAS.

Os investigadores também caracterizaram, na FCUP, modelos moleculares desenvolvidos no IPO-Porto que estiveram na base da formulação da vacina. Para este trabalho de caracterização molecular, que contou também com a participação de Marta Relva Santos, estudante de doutoramento em Ciências Biomédicas do ICBAS, foi fundamental o equipamento do Centro de Química de Materiais da U.Porto, também localizado na FCUP, que “não existe em mais nenhuma das instituições envolvidas no consórcio”, ressalva André Silva.

Um longo, mas importante processo de validação

Segue-se ainda um processo de validação com vista ao desenho de um ensaio clínico. José Alexandre Ferreira reforça, a propósito, a importância de as pessoas perceberem “os avanços que estão a ser feitos” e também que este é “um processo longo de validação para que depois a solução apresentada ao doente seja segura, eficaz e uma mais-valia”.

Já para Lúcio Lara Santos,  docente do Departamento de Anatomia do ICBAS e coordenador do grupo de Oncologia Molecular e Patologia Viral do CI-IPOP, serão necessárias “provas e contraprovas” de que a vacina funciona, que é útil e não prejudicará os doentes, e “pode vir a ser uma boa arma”. Só depois de provado o resultado dos ensaios diante das autoridades responsáveis “será possível desenhar um ensaio clínico”, adiantou.

O oncologista termina com uma certeza: “Temos uma ideia de investigação que é lógica, temos todos os ingredientes para que isto venha a funcionar, estamos na fase pré-clínica para garantirmos que aquilo que esperamos vai ser a evidência que nos permite avançar para a parte clínica”.