Quando é que Rei Lear não é Rei Lear? Eis a questão misteriosa com que o autor, Peter Holland, desperta a curiosidade dos leitores, ao escolhê-la como título do mais recente título da U.Porto Press.

Embora, provavelmente, não menos misteriosos, como defende o também docente da Universidade de Notre Dame, “Adaptando e não adaptando O Rei Lear para o cinema” ou “Quando é que uma adaptação de Rei Lear não é uma adaptação de Rei Lear” poderiam ter servido de subtítulo a este ensaio, que explora as adaptações da icónica tragédia de William Shakespeare.

Recentemente publicada pela U.Porto Press e pelo CETAPS – Centro de Estudos Ingleses, de Tradução e Anglo-Portugueses (CETAPS), esta é a obra inaugural da Coleção New Perspectives|Novas Perspetivas da Editora da Universidade do Porto.

Shakespeare e as culturas da adaptação

Peter Holland é visto como um dos maiores especialistas contemporâneos na obra de William Shakespeare por Rui Carvalho Homem, docente e Diretor do Departamento de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da U.Porto (FLUP), que organizou a publicação.

Na introdução que assina para este ensaio, Carvalho Homem defende que, nele, o autor “aborda a consequência imaginativa do dramaturgo inglês da perspetiva das suas ‘adaptações’”, concentrando “a sua atenção nas adaptações de que foi objeto, em anos recentes, uma tragédia de Shakespeare em particular: O Rei Lear”.

Carvalho Homem clarifica o sentido de “adaptações” para Peter Holland: “as muitas instâncias de apropriação e recriação, maioritariamente por escritores e artistas do nosso tempo, de obras em regra canónicas – ou seja, de autores com lugares consagrados na história da literatura, do teatro ou de outras artes”.

Este ensaio debruça-se sobre os estudos de adaptação das peças de William Shakespeare, em especial “O Rei Lear”. (Foto: U.Porto Press)

O docente da FLUP destaca, também, fatores da modernidade que entende estarem presentes em O Rei Lear, quer pela construção das personagens, “marcadas por uma densidade psicológica correspondente a um entendimento do humano que tenderíamos a descrever como ‘moderno’”, quer pela “perceção e representação da velhice de Lear”.

“A dramatização n’O Rei Lear da velhice e da loucura, como temas de notável candência nas sociedades do nosso tempo, é, então, um dos fatores de atração desta tragédia para os públicos que hoje encontra – como para os criadores que dela se apropriam para a adaptarem”, assinala Rui Carvalho Homem.

O também investigador do CETAPS refere, ainda, o facto de esta ser “uma das peças do cânone shakespeariano que de modo mais evidente nos confrontam com as incertezas textuais desse cânone”. Alude, assim, a edições divergentes e a um elevado número de variantes textuais que, contudo, “têm beneficiado do favor concedido pelo nosso tempo cultural e intelectual a objetos marcados pela incompletude ou truncamento”, dado serem perspetivados como “imaginativa e criticamente mais produtivos” do que se de textos “plenamente ‘acabados’, unos e íntegros” se tratasse.

Nas palavras de Rui Carvalho Homem, Peter Holland explora, neste ensaio, algumas adaptações e, particularmente, os seus atrativos, problematizando, em simultâneo, os seus limites. Debate, também, “os termos em que pode (…) imputar-se um nexo de derivação e consequência entre dois objetos – especificamente, entre uma peça de Shakespeare e um artefacto definido pelas condições plurimediais próprias do cinema”.

Salienta a “valia cultural e criativa de uma adaptação, autonomamente considerada face ao objeto que lhe está na origem”, considerando que os estudos de adaptação “ganham o seu lugar entre as áreas que produzem saberes na contemporaneidade”, já não sendo sujeitas a “juízos de menoridade”, tradicionalmente associados a “criações vistas como ‘derivativas’ e, portanto, supostamente desprovidas de ‘originalidade’”.

Em suma, “o estudo de adaptações é também fonte de uma compreensão mais profunda daquilo que foi objeto de adaptação; estudar adaptações de Shakespeare é também e fundamentalmente estudar Shakespeare em condições que maximizam, diversificam e (portanto) transformam a sua obra”, defende Rui Carvalho Homem.

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