A implementação do rastreio do cancro do estômago com endoscopia digestiva associada à colonoscopia, de cinco em cinco anos, seria custo-efetiva em Portugal, permitindo reduzir significativamente o número de casos e o número de mortes.

“Vivemos num país com uma elevada incidência de cancro gástrico, um cancro com elevada letalidade, uma vez que, na maioria dos casos, é silencioso e diagnosticado em estádios avançados. A deteção precoce só é possível com o rastreio em pessoas sem sintomas e através da vigilância de indivíduos de risco”, afirma Diogo Libânio, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e primeiro autor do estudo autor de um estudo recentemente publicado no European Journal of Gastroenterology & Hepatology.

Neste trabalho, o investigador analisou a relação custo-efetividade do rastreio do cancro gástrico em três países europeus com diferentes incidências desta doença – Portugal (com uma incidência intermédia a elevada), Itália (com uma incidência intermédia) e Holanda (com uma incidência baixa) -, bem como o impacto da utilização da inteligência artificial na custo-efetividade deste rastreio.

“Verificámos que, em Portugal, com a incidência atual de cancro gástrico e os custos atuais, há três estratégias de rastreio que são custo-efetivas. Em Portugal e em Itália, a associação de endoscopia digestiva alta à colonoscopia a cada 5-10 anos é a estratégia mais adequada”, realça Diogo Libânio.

Medida pode reduzir número de mortes em mais de 60%

Portugal é considerado um país de incidência intermédia de cancro gástrico quando nos comparamos com outros países, com 11 casos por 100.000 habitantes. No entanto, se olharmos para a incidência bruta (não ajustada à idade), temos valores muito superiores (26/100.000), o que nos classificaria como um país de incidência elevada.

Os resultados deste trabalho mostram que, no nosso país, o rastreio permitiria reduzir a incidência de cancro gástrico de 2.950 para 2.065, sendo uma percentagem significativa destas neoplasias detetadas precocemente e tratáveis por métodos minimamente invasivos, bem como reduzir o número de mortes anuais por cancro gástrico de 2.332 para 895 (61%).

Neste estudo, foi também analisada a relação custo-efetividade do rastreio do cancro gástrico (com e sem utilização de inteligência artificial), utilizando dados de incidência de cancro gástrico e de custos dos cuidados de saúde de cada país.

“O nosso estudo mostra também que a Inteligência Artificial tornaria o rastreio mais custo-efetivo nos vários países, incluindo Portugal”, afirma. Para Diogo Libânio, “a incorporação da inteligência artificial na prática clínica pode ajudar na deteção de lesões precoces e na minimização de falsos negativos, especialmente em contextos em que haja pouco treino na deteção destas lesões”.

A inteligência artificial pode ainda “auxiliar no diagnóstico e caraterização de condições pré-malignas, permitindo uma melhor identificação de doentes em maior risco de cancro gástrico e que beneficiam de vigilância específica”. Do mesmo modo, a IA pode “diminuir a necessidade de biópsias”.

Rastreio é “apenas uma das armas”

O professor da FMUP lembra que existem “recomendações recentes da Comissão Europeia que estimulam a implementação de programas de rastreio de cancro gástrico” e diz que “devemos mover esforços e lutar pela sua implementação”.

Contudo, salienta que o rastreio é “apenas uma das armas” e que a prevenção deste cancro implica igualmente “pesquisar e tratar a Helicobacter pylori, não fumar, reduzir o consumo de sal, enchidos e fumados, aumentar o consumo de legumes e de fruta, perder peso, praticar exercício físico e evitar a obesidade”.

Além de Diogo Libânio, assinam o estudo Mário Dinis Ribeiro, também da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, CI-IPO@RISE – Laboratório Associado e membros do grupo de investigação PRECAM (IPO-Porto), Miguel Areia, do IPO de Coimbra, e investigadores da Universidade Sapienza, de Roma, da Universidade Humanitas, de Milão, e da Universidade de Erasmus, de Roterdão.