Um grupo de cientistas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S), liderado pelo investigador Nuno Alves, acaba de publicar um artigo na revista Cell Death and Disease onde explica o que falha na produção de linfócitos T à medida que envelhecemos e que desencadeia o desenvolvimento de doenças autoimunes. Esta descoberta abre caminho a soluções terapêuticas para contrariar o envelhecimento do timo, apoiar a eliminação dos linfócitos T que podem causar doenças autoimunes e ao mesmo tempo fortalecer a resposta imunitária.

As doenças autoimunes são patologias debilitantes em que o nosso sistema imunitário, nomeadamente os linfócitos T, “atacam” os nossos próprios tecidos. Dado que a incidência de autoimunidade aumenta com a idade e com o aumento da esperança de vida, é importante conhecer as razões subjacentes ao aparecimento destas doenças para se poder intervir terapeuticamente na clínica. A pergunta que se coloca então é: como é que os linfócitos T, que são vistos como uma das principais frentes de combate à infeção ou ao cancro, podem tornar-se patológicos e causadores de doença?

Produzidos no timo, os Linfócitos T são uma das principais células de defesa do nosso organismo. Durante as fases iniciais da nossa vida, o timo produz uma grande diversidade de linfócitos T virtualmente capazes de responder a qualquer agressão, como infeções provocadas por vírus e bactérias, ou cancro. Esta capacidade deve-se à existência de recetores únicos e diferenciados em cada um dos linfócitos T, o que lhes permite reconhecer de forma altamente especifica componentes estranhos ao nosso organismo, por exemplo provenientes dos microrganismos patogénicos ou células cancerosas (antigénios externos). O que é notável é que a produção de linfócitos T tão diferenciados, e que nos protege de diversas ameaças, vem com um preço: o desenvolvimento de linfócitos T auto-reativos, isto é, células que atacam elementos dos nossos próprios tecidos, causando doenças autoimunes.

De acordo com Nuno Alves, o estudo agora publicado mostra que cabe a um outro grupo de células residentes do timo, “as chamadas células epiteliais tímicas (TECs), treinar e educar os linfócitos T durante o seu desenvolvimento, de forma a manter apenas os que respondem ao que é estranho ao nosso organismo (vírus, bactérias, cancro) e eliminar os auto-reativos, que causam autoimunidade”.

A função das TECs , explica a primeira autora do estudo, Camila Ribeiro, “diminui após o nosso nascimento e vai diminuindo cada vez mais com o avançar da idade, o que significa que, à medida que envelhecemos, o nosso sistema imunitário tem mais dificuldades em produzir linfócitos T capazes de reagir a novos agentes agressores, o que nos pode tornar mais suscetíveis a novas infeções”.

Decifrando o gene da longevidade

Outra das consequências do envelhecimento do timo e das suas células, acrescenta a estudante do programa doutoral em Ciências Biomédicas do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), “é a maior dificuldade do sistema imunitário distinguir os elementos patogénicos ou estranhos daqueles que pertencem aos nossos próprios tecidos e, consequentemente, a perda desta capacidade potencia o aparecimento de doenças autoimunes (Doença de Crohn, Lúpus, etc), o que é, em parte, devido a falhas das células epiteliais tímicas nessa seleção e treino dos linfócitos T”.

Os resultados, adianta Nuno Alves, mostram também que “o gene Foxo3, conhecido como o gene da longevidade, é essencial para garantir a função das células epiteliais tímicas de garantir uma resposta imunitária eficiente contra infeções e cancro, ao mesmo tempo que mantêm a tolerância imunológica aos nossos próprios tecidos e previnem a autoimunidade”.

A função deste gene, clarifica o líder do grupo «Thymus Development and Function» do i3S, “já era conhecida no contexto da longevidade e proteção contra múltiplas doenças, mas ainda não estava identificada a sua função no timo e no contexto da autoimunidade”.

Uma vez conhecida esta via molecular, ou seja, a função do Foxo3, Nuno Alves avança que “o desafio passa por conseguir manipulá-la de forma farmacológica com o objetivo de reativar ou corrigir a função das células epiteliais tímicas e assim contrariar o envelhecimento do timo, apoiar a eliminação dos linfócitos T que podem causar doenças autoimunes e fortalecer a resposta imunitária”.