Apesar de reconhecerem ter um papel fundamental na gestão de casos de violência doméstica, os médicos portugueses encontram ainda muitas barreiras que limitam a sua intervenção. Essa é a conclusão a retirar do trabalho de investigação desenvolvido por Diana Nadine Moreira no âmbito da sua dissertação de Mestrado em Medicina Legal, pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS).

Neste trabalho, recentemente publicado nas revistas BMC Health Services Research e BMC Primary Care, e que contou com a orientação de Mariana Pinto da Costa, docente do ICBAS, a jovem investigadora procurou compreender o papel dos médicos de família na gestão de casos de violência doméstica, bem como as barreiras e facilitadores que encontram quando consideram apresentar uma denúncia.

Para tal, a equipa de investigação realizou um estudo qualitativo – baseado em entrevistas semiestruturadas – junto de médicos de família de todas as administrações regionais de saúde de Portugal continental, no período compreendido entre julho de 2020 e setembro de 2022.

Da análise de conteúdo procurou-se avaliar a concordância ou discordância em relação à notificação obrigatória em cada um dos temas e subtemas. Participaram neste estudo 54 médicos de família ( 39 mulheres e 15 homens) e os principais temas que surgiram da análise foram: “Barreiras relacionadas com a atividade do médico”, “Barreiras relacionadas com a vítima ou agressor”, “Facilitadores relacionados com a atividade do médico”, “Facilitadores relacionados com a vítima ou agressor”.

Embora tenham sido descritas diferentes barreiras, tais como a falta de conhecimento e formação na área da violência doméstica ou a crença de que a resposta por parte das autoridades, após a apresentação de uma denúncia, falha na proteção das vítimas e punição dos agressores (podendo inclusive uma denúncia desencadear novos episódios de abuso), a maioria dos médicos concordou ter um papel fundamental na gestão de casos de violência doméstica, incluindo no momento de denúncia.

Por outro lado, os médicos de família entrevistados concordam que a presença de um elevado grau de violência ou o envolvimento de uma pessoa frágil (como uma criança ou idoso) na relação abusiva são importantes motivadores para a apresentação de uma denúncia.

Médicos dispostos a “assumir um papel proativo”

Para Diana Nadine Moreira, este estudo “revelou que os médicos de família em Portugal estão dispostos a assumir um papel proativo na gestão e seguimento de vítimas e agressores, mas encontram ainda muitas barreiras que limitam a sua intervenção e que devem ser revistas do ponto de vista clínico, social e legislativo.”

Mariana Pinto da Costa, orientadora do estudo, nota que este trabalho “mostra quais são as perceções dos médicos de família em Portugal relativamente ao seu papel e às suas responsabilidades quando se deparam com casos de violência doméstica na sua prática clínica, e quais consideram ser as barreiras e os facilitadores para procederem com uma denúncia”.

“Além do seu trabalho com as vítimas, os médicos de família assumem também muitas vezes a responsabilidade no seguimento dos agressores e outros elementos da família, trabalhando em conjunto com múltiplas outras entidades e instituições”, acrescenta.

O estudo resulta da tese de mestrado de Diana Nadine Moreira (à esq.ª), que contou com a orientação da docente Mariana Pinto da Costa (à dir.ª). (Foto: DR)

As investigadoras concluíram que os médicos de família encontram múltiplas barreiras e facilitadores quando consideram a possibilidade de denunciar um caso de VD às autoridades, sendo que os resultados científicos podem contribuir para o desenvolvimento de novas intervenções que abordem as barreiras descritas pelos médicos, aumentando a sua adesão à denúncia, à proteção das vítimas e à justa perseguição do agressor.

Para tal, alertam para a necessidade de reavaliar práticas atuais na gestão de casos de violência doméstica e que sejam desenvolvidos novos programas formativos que visem colmatar carências no seu conhecimento e na forma de atuação.

Um investimento que deve ser feito no desenvolvimento de diretrizes clínicas, legislativas e acessíveis baseadas nos recursos disponíveis em cada comunidade, nomeadamente serviços especializados, instituições de apoio e serviços policiais e judiciais.