Um estudo em curso na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) pretende estudar a perda recorrente de gravidez, que consiste em abortamentos espontâneos em duas ou mais gestações consecutivas até às 24 semanas, nas situações em que não existe uma causa identificada.
Para avançar com esta investigação, a equipa da FMUP está a recrutar mulheres saudáveis, em idade reprodutiva, sem história de abortamentos recorrentes e com pelo menos um filho. As voluntárias não serão submetidas a qualquer teste invasivo, sendo-lhes apenas solicitada a colheita de amostras de fluido menstrual.
Estas amostras, que serão obtidas através de um copo menstrual disponibilizado gratuitamente, permitirão comparar células epiteliais do endométrio de mulheres saudáveis com células do endométrio de mulheres que sofreram perdas recorrentes de gravidez. Estas últimas serão obtidas através da colaboração com o serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).
Perda recorrente de gravidez: um problema (quase) sem explicação
A perda recorrente de gravidez afeta cerca de 5% das mulheres grávidas em todo o mundo e estima-se que cerca de metade dos casos permaneçam sem explicação. Os cientistas da FMUP, sob supervisão de Sofia Dória, estão a explorar a possibilidade de estes abortamentos estarem relacionados com a expressão anormal de determinados retrovírus endógenos em células do endométrio, comprometendo o seu normal funcionamento e a produção de hormonas e nutrientes de suporte à gravidez.
“O papel dos retrovírus endógenos na saúde do endométrio continua por explorar, embora estudos preliminares tenham já sugerido a sua implicação no correto funcionamento do mesmo. Assim, propomo-nos a realizar a inativação destes retrovírus, de forma a podermos identificar as consequências ao nível da proliferação, diferenciação e resposta hormonal no endométrio, bem como comparar a sua expressão em mulheres saudáveis e em mulheres com perda recorrente de gravidez”, explica Diane Vaz, investigadora da FMUP.
“Os retrovírus endógenos, presentes nas células do endométrio, existem em condições normais no nosso genoma e resultam de inserções retrovirais ancestrais. A sua existência não é patológica, até porque estão associados a funções celulares vitais no nosso organismo, mas sim a sua desregulação, que compromete o normal funcionamento do endométrio”, acrescenta.
Ao longo deste estudo, serão estudadas duas “famílias” de retrovírus que poderão interferir com a saúde do endométrio. Utilizando diferentes abordagens, o grupo irá silenciar os retrovírus em causa e perceber a ligação entre a desregulação da função do endométrio e a ocorrência de abortamentos de repetição.
Segundo Sofia Dória, professora da FMUP, “se os retrovírus e a disfunção endotelial estiverem efetivamente relacionados com a perda recorrente de gravidez, este estudo poderá sugerir novas abordagens na avaliação e seguimento dos casos de mulheres com esta doença que impede o sucesso da sua reprodução”.
Como participar no estudo?
O recrutamento deverá ser feito através do e-mail [email protected]. Serão necessárias apenas duas visitas à FMUP. Outras informações poderão ser obtidas através do telefone 220 426 715.
Além da motivação das participantes de contribuírem para um estudo de interesse público, a aquisição gratuita do copo menstrual poderá revelar-se uma solução mais económica a longo prazo, já que prescinde da utilização de outros produtos (tampões e pensos higiénicos) e dura entre três a cinco anos.
Além dos investigadores do serviço de Genética da FMUP, e do serviço de Obstetrícia do CHUSJ, este projeto conta com o envolvimento de cientistas do Centre for Genomics and Child Health, Blizard Institute, Faculty of Medicine and Dentistry, Queen Mary University of London (QMUL), no Reino Unido.