Estudo aponta o canto de sons agudos como um dos principais factores que permitem prever a capacidade de sobrevivência de pássaros (DR Jane Adams).

Num estudo publicado esta terça-feira, pela revista Global Change Biology, Gonçalo C. Cardoso, investigador do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/InBIO Laboratório Associado demonstra que a capacidade de sobrevivência dos pássaros em áreas urbanas é influenciada pelas características do seu canto.

Gonçalo Cardoso analisou a tolerância urbana de 140 espécies de pássaros da Europa e América do Norte com o objetivo de compreender até que ponto os cantos agudos facilitam a vida em ambientes urbanos ruidosos. O canto agudo está associado com tolerância urbana, e tem cerca de metade da importância do traço ecológico mais intimamente ligado à vida em ambiente urbano: a nidificação fora do solo. Isto significa que a comunicação acústica é uma das mais importantes características que influenciam a vida das espécies nas cidades.

O canto de sons agudos, que são menos mascarados pelo ruído urbano, é um dos principais fatores que permitem prever a capacidade dos pássaros viverem nas cidades. Segundo o investigador, “os sons de alta frequência (agudos) são mais dificilmente mascarados pelo ruído urbano, e já sabíamos que as espécies de pássaros tolerantes aos ambientes urbanos exibem normalmente cantos mais agudos do que o de espécies aparentadas que habitam áreas não urbanas”.

Em estudos anteriores, “demonstrámos isso mesmo, através da comparação de um elevado número de espécies tolerantes e os seus parentes próximos, que não ocorrem em cidades. Esses parentes são bastante semelhantes no que se refere a muitos outros traços, o que nos permite minimizar as diferenças ecológicas – de que se alimentam, onde nidificam, etc. – que intuitivamente poderiam afetar a vida na cidade e interferir com o nosso teste”, explica Gonçalo Santos. Portanto, nessa fase, os investigadores conseguiram demonstrar que os cantos mais agudos efetivamente facilitam a vida em áreas urbanas, mas não lhes foi possível avaliar a magnitude deste efeito comparativamente a requisitos ecológicos mais óbvios, como a dieta e a nidificação.

Neste estudo, os investigadores procuraram colmatar essa lacuna, ao analisar comparativamente o efeito da comunicação acústica e de outros traços ecológicos na tolerância urbana. Os resultados surpreenderam, principalmente por verificar que “a frequência de som do canto está associada à tolerância urbana a um nível que corresponde a cerca de metade da magnitude do mais importante traço estudado: a nidificação fora do solo (nas cidades não existe muita vegetação rasteira intacta e tranquila para os pássaros nidificarem, e há também muitos gatos)”.

Estes resultados abrem caminho a novos estudos destinados a prever quais as espécies que se tornam tolerantes aos ambientes urbanos. No entanto, o investigador aponta que há ainda um longo caminho a percorrer no que diz respeito à nossa capacidade de compreender porque é que encontram algumas espécies de pássaros nas cidades: “mesmo combinando a contribuição de todos os traços estudados (frequência de som do canto, local de nidificação, dieta, tamanho, etc.), apenas podemos prever de uma forma muito limitada quais as espécies que ocorrem em ambientes urbanos”.

Para além disso, “quando analisamos a distribuição da tolerância urbana ao longo da filogenia, i.e. da árvore genealógica, das 140 espécies europeias e norte-americanas estudadas, a tolerância urbana aparece de uma forma muito dispersa, ou seja, não se encontra aglomerada em grupos taxonómicos específicos”. Ambos os aspetos sugerem que a tolerância urbana é influenciada por outros fatores, para além dos traços biológicos das espécies (que tendem a estar aglomerados nas filogenias). Uma possibilidade simples passaria por considerar que “a exposição à urbanização promove o aparecimento de tolerância urbana, uma vez que se verificou que existia uma maior proporção de espécies tolerantes na Europa, que é mais urbanizada do que a América do Norte”.