Método de extubação criado na FMUP já permitiu resgatar vários pacientes estrangeiros de um futuro dependente de ventilação mecânica.

Um protocolo de Ventilação Não Invasiva em doentes graves, desenvolvido por uma equipa do Serviço de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do Hospital de São João (HSJ), permitiu evitar a realização de uma traqueostomia (e consequente total dependência ventilatória) numa bebé brasileira com apenas 10 meses de idade.

A bebé que foi ajudada por um dos especialistas mais diferenciados em protocolos de extubação em doenças neuromusculares a nível mundial, Miguel Gonçalves (do Serviço de Pneumologia do HSJ/FMUP), sofre de Atrofia Muscular Espinhal tipo I (Síndrome de Werdnig-Hoffmann). Trata-se de uma doença neurológica degenerativa de origem genética, que leva à fraqueza e atrofia muscular com prejuízo de movimentos voluntários como segurar a cabeça, sentar, andar e, muitas vezes, respirar de forma autónoma. “É uma doença particularmente agressiva. Muitas das crianças afetadas não sobrevivem após o primeiro ano de vida se não for ajudada a respirar”, explica o fisioterapeuta.

A bebé encontrava-se internada na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos, conectada a um ventilador por um tubo endotraqueal devido a falência respiratória. Depois de duas tentativas de extubação falhadas (desmame difícil do ventilador), executadas no Hospital Albert Einstein em São Paulo (uma unidade de saúde de referência no Brasil e em toda a América Latina), e o consequente risco eminente de traqueostomia, os clínicos brasileiros contactaram o Serviço de Pneumologia da FMUP/HSJ, numa última tentativa de realizar este procedimento com sucesso, sem recorrer a meios invasivos.

A instituição hospitalar brasileira fez um pedido oficial de ajuda neste caso e a intervenção do perito português deu-se ao abrigo de uma colaboração interinstitucional entre a unidade de saúde brasileira, o HSJ e a FMUP.

O professor da FMUP viajou para São Paulo e, ao 2º dia de trabalho, o tubo endotraqueal foi retirado com sucesso e substituído por uma máscara nasal conectada a um ventilador portátil seguindo um protocolo clinico desenvolvido em 2010 em conjunto pela FMUP e Faculdade de Medicina da Universidade de New Jersey, EUA.

Passados dois dias, a criança começou a ter alguma autonomia respiratória permitindo um aumento progressivo do tempo sem o ventilador. Antes de regressar a Portugal, o perito português deixou um conjunto de recomendações para um plano de alta hospitalar seguro, com ventilação domiciliária.

Note-se que, se a extubação não tivesse sido realizada com sucesso, esta criança teria de ser traqueostomizada, o que implicaria que ficasse totalmente dependente do ventilador por um tubo invasivo na traqueia durante toda a sua vida, o que iria condicionar significativamente a sua capacidade de falar.

Não é a primeira vez que este método de extubação de doentes com patologias neuromusculares graves, criado pelos especialistas do Porto, resgata pacientes estrangeiros de um futuro dependente de ventilação mecânica através de uma traqueostomia. Outras unidades hospitalares estrangeiras, como o Hospital San Luigi Gonzaga Orbassano, em Itália, por exemplo, já solicitaram ajuda aos especialistas portugueses para a realização deste ato clínico.

“Para além do impacto que sabemos que a extubação bem-sucedida terá na qualidade de vida desta bebé, congratulámo-nos por termos passado conhecimentos técnicos altamente diferenciados à equipa de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital Albert Einstein”, explica José Agostinho Marques, diretor da FMUP e do Serviço de Pneumologia do HSJ, acrescentando que “a Faculdade de Medicina ensina a cuidar, não importa quem nem onde”.

Desde 2007 que, em Portugal, este protocolo é usado em pleno no Centro Hospitalar de São João, nomeadamente na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos e no Serviço de Medicina Intensiva (cujas equipas multidisciplinares têm vindo a atualizar alguns dos procedimentos), o que faz desta unidade de saúde um dos quatro centros que realizam com eficácia esta estratégia terapêutica, em todo o Mundo (os outros centros situam-se nos EUA, Reino Unido e Japão).

Publicada em 2010 na Chest, uma das mais reputadas revistas científicas na área da Saúde Respiratória, e divulgada em mais de 200 conferências em cerca de 30 países diferentes, esta técnica criada pelos investigadores portugueses tem uma eficácia de 95%, aumenta a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes neuromusculares, fomenta a sua recuperação e alta para o domicílio, permitindo reduzir significativamente os custos hospitalares.