Paulo Garcia, investigador do Departamento de Engenharia Física da FEUP, integra a equipa portuguesa responsável pelo GRAVITY. (Foto: DR)

É o ponto alto de 26 anos de observações do coração da Via Láctea: pela primeira vez foi possível comprovar os efeitos previstos pela teoria da relatividade geral de Einestein no movimento de uma estrela, a passar no campo gravitacional extremo, próximo do buraco negro supermassivo situado no centro da Via Láctea. Este resultado, há muito procurado, representa o culminar de uma campanha de observações que decorre a partir do Very Large Telescope (VLT) do ESO, no Chile, e que contou com a participação do astrofísico português Paulo Garcia, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Porto (FEUP).

Obscurecido pelas espessas nuvens de poeira absorvente, o buraco negro supermassivo mais perto da Terra situa-se a cerca de 26 000 anos-luz de distância, no centro da Via Láctea. Este monstro gravitacional, com uma massa de 4 milhões de vezes a massa solar, encontra-se rodeado por um pequeno grupo de estrelas que o orbitam a alta velocidade. Este meio extremo — o campo gravitacional mais forte da nossa Galáxia — é o local ideal para explorar a física gravitacional e, particularmente, testar a teoria da relatividade geral de Einstein.

Investigadores portugueses têm participado ativamente neste projeto. No caso de Paulo Garcia, liderou a equipa que desenvolveu todo o software que efetua as medições em tempo real. Já António Amorim, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) foi um dos responsáveis pelo desenho, construção e validação da câmara de aquisição do instrumento GRAVITY, a câmara de infravermelhos que permite realizar várias medições em tempo real ao buraco negro supermassivo. Ambos fazem parte da unidade de investigação do Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) e mostram-se particularmente satisfeitos com estes resultados agora alcançados.

As novas observações infravermelhas recentemente obtidas permitiram aos astrónomos seguir uma destas estrelas, chamada S2, à medida que passava muito perto do buraco negro. Em maio de 2018,  no ponto da sua órbita mais próximo do buraco negro, a distância desta estrela ao objeto era menor que 20 mil milhões de quilómetros e a sua velocidade era maior que 25 milhões de quilómetros por hora — quase 3% da velocidade da luz.

“Esta deteção é o primeiro passo de um plano diretor mais geral para observar o buraco negro supermassivo situado no centro da nossa Galáxia. Neste momento estamos a seguir a estrela S2, que orbita o buraco negro, procurando um desvio na sua órbita denominado precessão de Schwarzschild. Trata-se do segundo efeito da teoria da relatividade geral que estamos à procura”, admite o investigador da FEUP.

Estas medições extremamente precisas foram obtidas por uma equipa internacional liderada por Reinhard Genzel do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (MPE) em Garching, Alemanha, em colaboração com investigadores do Observatório de Paris—PSL, Universidade de Grenoble-Alpes, CNRS, Instituto Max Planck de Astronomia, Universidade de Colónia, Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) e ESO.

De acordo com António Amorim “este projeto é único em exigência, uma vez que a equipa portuguesa colabora com as equipas mundiais mais competitivas em instrumentação para telescópios.”

Mais de cem anos após a publicação do seu artigo que descreveu as equações da relatividade geral, Einstein mostrou estar certo uma vez mais — e num laboratório muito mais extremo do que alguma vez poderia imaginar.

Xavier Barcons, Diretor Geral do ESO, enfatiza os resultados científicos alcançados: “O ESO tem vindo a trabalhar com Reinhard Genzel e a sua equipa, assim como com colaboradores nos Estados Membros do ESO há mais de um quarto de século. O desenvolvimento de instrumentos extremamente poderosos necessários à obtenção destas medições tão delicadas revelou-se um tremendo desafio. A descoberta anunciada hoje trata-se do resultado extraordinário de uma parceria notável.”

De realçar também a participação de Narsireddy Anugu neste projeto, em 2015, na altura estudante do Programa Doutoral em Engenharia Física na FEUP. Atualmente a trabalhar nos EUA, recorda esta experiência no Chile como uma oportunidade única, uma vez que “pôde conhecer vários laboratórios e trabalhar de perto com profissionais de topo mundial, que depois lhe abriu muitas oportunidades profissionais”.