Os portugueses acreditam que deviam realizar mais exames médicos (e com maior frequência) do que o previsto pelas recomendações clínicas nacionais e internacionais e não estão a par dos riscos que correm quando os realizam, revela um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

O trabalho, agora publicado na revista científica PLOS ONE, foi desenvolvido por um grupo de investigadores da Unidade de Medicina Geral e Familiar do Departamento de Ciências Sociais e Saúde e pelo CINTESIS (Centro de Investigação de Tecnologias de Saúde e Sistemas de Informação) da FMUP e analisou uma amostra representativa de mil portugueses com idade superior ou igual a 18 anos. Os lares foram selecionados aleatoriamente pela lista telefónica de rede fixa, com estratificação por conselho e quotas de idade e sexo.

Os resultados revelaram que as percentagens de portugueses que consideram que devem efetuar certos exames médicos são muito elevadas, sempre acima de 60%. 99,2% dos portugueses consideram que deviam fazer análises gerais, em média, a cada 12 meses. 87,4% dos portugueses referem que, realmente, costuma fazer este tipo de análises de ano a ano, embora não existam recomendações neste sentido. Entre 87 a 93% acreditam que devem fazer rastreios de colesterol, pressão arterial e glicose.

Carlos Martins, primeiro autor do estudo, defende que estes resultados mostram que os portugueses não conseguem distinguir exames médicos recomendados e não recomendados (porque não cientificamente validados). “Por exemplo, a mamografia está recomendada a partir dos 50 anos de idade como rastreio de cancro da mama, mas a ecografia mamária não se encontra recomendada como método de rastreio. Contudo, a percentagem de mulheres que considera que deveria fazer a ecografia mamária é idêntica à das mulheres que considera que deveria fazer a mamografia. O risco de, na sequência de uma ecografia mamária, se encontrar um falso positivo e com isso gerar insegurança, mal-estar psicológico e necessidade de exames adicionais que podem incluir a biópsia mamária acarreta um dano considerável para a mulher, já bem demonstrado em estudos científicos”, explica o investigador da FMUP.

Mesmo quando analisadas apenas as respostas de indivíduos saudáveis que não apresentem fatores de risco para a doença em causa para cada rastreio específico, as percentagens continuam muito elevadas. “Por exemplo, 67,8% dos portugueses sem história pessoal ou familiar de cancro do pulmão consideram que deveriam fazer raio X do pulmão, em média, com a periodicidade de 15 meses. Este exame acarreta dano associado à exposição desnecessária às radiações e também existe um risco considerável de falsos positivos.”

Apenas 3,8% dos portugueses referiram que não costumam efetuar exames médicos. “Este valor é espantosamente baixo, uma vez que, felizmente, o grosso da população é saudável e não é suposto ser necessário efetuar regularmente testes clínicos”, esclarece o médico.

Em relação à iniciativa de fazer exames médicos: 37,7% dos portugueses, quando fazem exames clínicos, fazem-nos principalmente por sua própria iniciativa; 30,3% considera que faz exames médicos por iniciativa do médico; 28,2% considera que os faz por mútuo acordo com o seu médico. “Este resultado revela bem como o modelo de construção de decisões na consulta médica se alterou nos últimos anos e como a voz do paciente se tornou numa voz muito mais influente na tomada de decisão na consulta.”

“Mais do que a preocupação de ordem económica, relacionada com dispêndio significativo aplicado em exames complementares de diagnóstico desnecessários, o que está em causa perante a realidade revelada por este estudo é o risco elevado de dano que os portugueses correm quando se submetem a demasiados exames médicos e sem razão para tal”, adiantam os autores.

Esses riscos são reais e existem em quase todos os exames médicos, por exemplo: riscos de se obter um resultado falso positivo ou falso negativo, risco de se detetar alterações que não têm importância clínica e que nunca teriam impacto na saúde das pessoas, mas que depois de detetados geram preocupação e muitas vezes intervenção médica ou cascatas de exames médicos, e risco de vir a sofrer tratamentos desnecessários.

De acordo com Carlos Martins, “se rastrearmos, por um período de 11 anos, 1055 homens com a análise do PSA, nós conseguimos evitar que 1 homem morra por cancro da próstata, este será o grande beneficiado com o rastreio. Contudo, em simultâneo, vamos transformar 37 homens saudáveis em doentes oncológicos que serão intervencionados com grave prejuízo para a sua qualidade de vida: disfunção erétil, risco de incontinência fecal e urinária, bem como dano psicológico. O problema, é que a Medicina, no seu estado de arte atual, depois de detetar o cancro não consegue dizer se aquele cancro é dos que não vai ter significado clínico porque nunca irá evoluir nem matar o homem, ou se é daqueles que irá realmente matar aquele homem.”

Este padrão de comportamento e de atitudes revela-se, por si só, como um importante fator de risco para a saúde dos portugueses. “Por este motivo, tornam-se urgentes algumas medidas: criar uma estratégia de informação e comunicação sobre as vantagens e desvantagens relacionadas com a realização de exames médicos em linguagem acessível à população e sensibilizar as várias instituições da área da saúde para a necessária correção das estratégias de comunicação até agora implementadas.”

O artigo científico encontra-se disponível  aqui.