Aos 47 anos, Ruth Pereira mantém a mesma paixão e curiosidade que a levaram a abraçar o mundo da Ciência há mais de duas décadas. Professora Auxiliar da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), vem desenvolvendo o seu trabalho em domínios como a ecotoxicologia de solos, o estudo de novas substâncias químicas e a avaliação de riscos de áreas contaminadas. Um dos últimos projetos em que participou levou-a à Antártida para estudar os solos e os lagos daquele território.

Doutorada em Biologia pela U.Aveiro e autora de cerca de 120 artigos científicos publicados em revistas internacionais, livros e capítulos de livros, Ruth Pereira coordenou / colaborou em vários projetos de investigação nacionais e internacionais e foi membro de diversos painéis científicos em Avaliação de Riscos. Ainda na área da investigação, coordena o grupo Risk Assessment: Soil and Water Interaction no Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da U.Porto (CIIMAR) e foi investigadora Ciência 2007 do CESAM/Universidade de Aveiro. Mais recentemente, foi convidada a integrar o corpo de editores associados da Revista “Ecotoxicology and Environmental Safety”, tendo ainda assumido o desafio de criar uma nova Unidade de Investigação na FCUP – o GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável.

Desafiante foi também a aventura que a levou a cumprir o sonho de visitar a Antártida, no âmbito do projeto ReACT, financiado pelo Programa Polar Português. “O trabalho de campo foi duro e as condições eram extremas, mas a satisfação com que estamos num local destes, e a sorte que sentimos ter ajudam-nos a ultrapassar todas as dificuldades”, confessa a investigadora, a propósito de um trabalho que vai permitir que, pela primeira vez, seja aplicado um esquema de avaliação de risco ambiental em regiões polares, constituindo um importante suporte para decisões futuras de proteção da Antártida.

O ensino experimental das ciências e a divulgação de ciências são outras áreas que esta fã de Pink Floyd, Saramago e caril de frango acarinha. Foi isso que a levou a criar a revista “Captar, Ciência e Ambiente para Todos”, no âmbito de um projeto da Fundação Calouste Gulbenkian, com o objetivo de divulgar Ciência ao público em geral, e mais especificamente a professores e estudantes do Ensino Básico e Secundário.

Naturalidade? Moçambique (Rio Monapo, Nampula)

Idade? 47 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

A meritocracia, o apoio ao crescimento individual de cada um, a vontade de crescer, inovar, acompanhar as tendências e os desafios impostos pela sociedade.

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Embora considere que é uma instituição bastante aberta à liberdade de expressão das ideias individuais e ao respeito pelas mesmas, ainda há algum elitismo assente nas hierarquias académicas que podia ser suavizado. Confesso, que é um sentimento pessoal e contraditório, pois acredito que este facto também resulta muito de ser uma universidade de raiz clássica, o que a meu ver também tem muitos outros aspetos positivos, que não gostava que fossem perdidos. O que me seduz como professora e investigadora é olhar para os colegas e estudantes como capazes de terem uma visão própria do mundo.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

A Universidade do Porto é uma “marca” de grande qualidade reconhecida nacional e internacionalmente. Contudo, eu acho que podia fazer muito na projeção da sua imagem. O valor existe, é mostrá-lo tirando partido de boas estratégias de marketing.

– Como prefere passar os tempos livres?

A “gastar conversa” com os amigos e a família e a passear/viajar cá dentro ou lá fora!!

– Um livro preferido?

Felizmente, penso que todos temos muitos. E neste momento, já para lá de metade da minha existência, vivo na angústia de querer reler alguns que já li há muitos anos e de, por outro lado, conseguir ter tempo para ler muitos outros que ainda não consegui ler. Entre os preferidos, destaco um dos que me vem à memória com muita frequência, em diversos momentos da vida: “As intermitências de morte” de José Saramago.

– Um disco/músico preferido?

Mais uma pergunta muito difícil. The Wall dos Pink Floyd. Uma das minhas músicas preferidas “Hey you” do Roger Waters. Se puder dizer mais… “School” dos Supertramp, “Dance me to the end of love” de Leonard Cohen. Todas as músicas do Caetano Veloso. Zeca Afonso, em que destaco “Vejam bem”, uma das minhas preferidas. Adoro música clássica de diversos compositores, mas talvez Vivaldi seja o meu preferido. Enfim, felizmente fui jovem numa época em que se ouvia e se produzia música intemporal. Há muitas músicas que canto nas minhas viagens de carro sozinha, para lavar a “alma”. E fui aluna de um excelente professor na Universidade de Coimbra, o Professor Vitor Madeira, que usava a música clássica para nos transportar para o abstrato dos processos bioquímicos.

– Um prato preferido?

Ui.. Também tenho muitos!! Talvez caril de frango, porque me faz lembrar férias, e o campismo com os amigos que me acompanharam a vida toda.

– Um filme preferido?

Eduardo Mãos de Tesoura.

– Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)? 

Só posso escolher uma? Escolho uma que já realizei – à Antártida (mas não fazia parte dos meus sonhos, porque nunca imaginei sequer conseguir concretizá-la). E por realizar, ao Pantanal. Esta ainda tenho esperança…

– Um objetivo de vida?

Conseguir continuar a trabalhar naquilo que me apaixona, a Ciência, e ser bem-sucedida nos projetos profissionais que tenho em mãos neste momento. A nível pessoal, conseguir acabar de formar dois seres humanos, que adoro, até que eles sejam capazes de voar sozinhos.

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)

A vida. A capacidade que tem de me surpreender a cada dia que saio à rua e que “bato” com os olhos numa forma nova, nas mudanças sazonais, na luta contra as adversidades, na renovação da natureza, etc.

– Qual foi o maior desafio que encontrou na visita à Antártida?

Nenhum…. Desiludi-vos? A verdade é que o entusiamo que me moveu, a equipa na qual fui integrada, em especial a minha colega e amiga Joana Pereira que já conheço há muitos anos e com quem me dou lindamente, quer pessoal quer profissionalmente, todo o cuidado que existe na organização destas missões, a segurança e o apoio que a base do Chile nos proporcionou, fizeram com que a missão decorresse de forma muito tranquila. Em suma, a equipa era mais que a soma das suas partes. É certo, que o trabalho de campo foi duro, já que envolveu a recolha de amostras de solo, para diferentes tipos de análises, numa grelha ainda alargada, as condições eram extremas, mas a satisfação com que estamos num local destes, e a sorte que sentimos ter nos ajudam a ultrapassar todas as dificuldades. Mas concretizando e respondendo à pergunta de forma direta, o maior desafio, foi mesmo conseguir lá chegar, e depois sair de lá. As condições climatéricas tornam as ligações à Antártida muito complicadas. O segundo maior desafio: conseguirmos chegar com as nossas amostras. São tantas as ligações e as passagens na polícia internacional, que isto sim foi um desafio, carregado de suores frios.