Curiosa de nascença, inspirada pelo bisavô que ganhou dois prémios no Salão de Inventores de Bruxelas em 1963 e em 1964, e com a série infantil “Era uma vez o corpo humano” a servir de motivação, Joana Caldeira começou desde muito cedo a querer saber o porquê das coisas. Apesar de no 5.º ano já integrar o Clube de Meteorologia da escola e se interessar cada vez mais por Ciência, nunca deixou o ballet. Aliás, começou aos quatro anos e continuou até aos 21. «Sempre adorei ciência, artes e pessoas e tenho vindo a descobrir que a investigação conjuga muito bem essas três vertentes», explica.

Com notas para entrar em Medicina, mas com a justificação de que não consegue ver pessoas a sofrer, acabou por escolher o curso de Microbiologia, na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, no Porto, para grande tristeza dos avós, que queriam uma médica na família. Desde então,  tem dedicado a sua carreira científica à biologia molecular e do desenvolvimento, em particular à identificação de perfis moleculares de doenças. Começou por fazer um projeto com o Hospital de S. João (Departamento de Bioquímica) com o objetivo de estudar as bases moleculares da modulação de enzimas de leveduras e foi depois para Sevilha (CABD) com uma bolsa de investigação para determinar o potencial da mosca da fruta como animal modelo para estudar cancro.

Foi na Andaluzia que Joana iniciou o Doutoramento em Biomedicina em colaboração com o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) e sob a supervisão dos investigadores Raquel Seruca e Fernando Casares. Durante esse período, utilizou a mosca para descobrir novos genes associados ao cancro de estômago com potencial terapêutico e/ou de prognóstico. Durante o pós-doutoramento dedicou-se a utilizar animais modelo para estudar a modulação da matriz extracelular no cancro e na regeneração (porque grande parte dos processos são idênticos).

Foi, contudo, quando entrou no INEB – Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (atualmente integrado no i3S, juntamente com o Ipatimup e com o IBMC) que a investigadora começou a interessar-se pelo estudo do disco intervertebral. Atualmente, está a desenvolver uma nova estratégia terapêutica para promover a regeneração do disco intervertebral através da remodelação da matriz extracelular, utilizando para o efeito a tecnologia de edição genética CRISPR. Foi, de resto,  com este projeto que foi premiada pela Eurospine (Sociedade Europeia da Coluna) e que  conquistou uma das quatro «Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência» 2018. Casada, mãe de dois filhos «muito agitados», Joana Caldeira tem como grande ambição «descobrir novas terapias para a doença degenerativa dos discos intervertebrais, que é responsável pela dor lombar crónica, uma patologia que afeta mais de 70% da população».

Naturalidade? Porto

Idade? 36 anos

– De que mais gosta na Universidade do Porto?

Do i3S, claro! E das redes de colaboração inesperadas que aqui têm origem (como o grupo de Fundrasing do i3S).

– De que menos gosta na Universidade do Porto?

Da falta de comunicação aberta e clara com todos os que dela fazem parte. É necessário que todos sejam colocados ao mesmo nível, que não haja ideias pré-concebidas ou informação selecionada. Devia ser promovida a partilha de ideias sem olhar aos níveis hierarquicos. Juntos podemos fazer da UP um sítio melhor se houver espaço para ouvir todos os intervenientes. Ao aproveitar o melhor de cada um, poderemos construir algo muito mais rico e mais inclusivo.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

Criar um Departamento dedicado exclusivamente à angariação de fundos para a Ciência. Há ja muitos países no mundo, e em particular na Europa, nos quais a sociedade civil tem um papel central no que diz respeito à filantropia científica. Na Irlanda, por exemplo, o valor angariado num ano equivale ao investimento anual da FCT. É necessário sensibilizar a sociedade e mostrar ao público que o mundo precisa da ciência e que a ciência precisa da ajuda de todos.

– Como prefere passar os tempos livres?

Com a minha família, de preferência junto ao mar.

– Um livro preferido?

Ultimamente leio mais livros aos meus filhos… Não tenho um livro preferido, mas consigo lembrar-me de dois que gostei bastante: “Memórias de uma Gueixa” e “A Catedral do Mar”.

– Um disco/músico preferido?

Gosto de muitos estilos musicais diferentes, de música clássica a pop. Só dispenso pimba e reggaeton. Os meus amigos costumavam chamar-me uma juke-box ambulante porque bastava uma palavra para associar a uma música e começar a cantar.

– Um prato preferido?

Doces e fruta! Podia bem saltar o prato principal e ir directo à sobremesa.

– Um filme preferido?

Adoro comédias românticas… dão para esvaziar o cérebro…! ahah

– Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)? 

Por realizar: Amazónia, Nepal e Tibete. As duas viagens que mais gostei de fazer: Índia e Vietname.

– Um objetivo de vida?

Tornar o mundo um sítio melhor. Em vez de me lamentar com o que não me parece certo, ser agente da mudança.

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)

(vou roubar esta frase aos discursos do meu marido) “A minha família, o princípio dos meus princípios” porque foi ela que fez de mim quem sou.

– O projeto da sua vida…

Ser feliz e tentar ver sempre o lado positivo das coisas (porque tudo é relativo).

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?

Muito marketing digital!! Desenvolver uma megacampanha promocional da UP que se torne viral, para que todos saibam que existimos e que fazemos investigação de qualidade, com impacto no mundo. Para começar, ter um stand-up autoexplicativo, nas chegadas (junto à recolha das bagagens) do aeroporto Francisco Sá Carneiro e vídeos autoexplicativos a passar no metro, táxis e em todos os locais turísticos.

Em termos mais científicos, penso que estamos no bom caminho, mas seria bom ter parcerias estratégicas com grandes empresas de vanguarda que nos permitam testar durante algum tempo tecnologia de ponta ainda em fase de testes. São também os resultados destas parcerias que dão muitas vezes mais visibilidade à nossa investigação.