Licenciado em Bioquímica e doutorado em Ciências Biomédicas pela U.Porto, Helder Maiato é um dos Coordenadores do Programa Integrativo em Cancro do i3S. (Foto: Egidio Santos/U.Porto)

Aos 43 anos, Hélder Maiato é já um dos mais reconhecidos e premiados investigadores da Universidade do Porto. Mas as coisas poderiam ter sido bem diferentes se não tivesse estado sempre rodeado de “pessoas inteligentes e com valores”, das quais realça os avós e os pais. Nascido em Matosinhos, de uma classe operária, foi dos poucos membros da família alargada a entrar na Universidade e a sair com um curso superior. «Os meus pais fizeram muitos sacrifícios para que eu pudesse estudar e nunca me faltasse nada, mas sempre fui muito estimulado a criar e a tentar perceber as coisas», sublinha.

Foi sempre bom aluno, mas garante que também teve sempre professores fantásticos. Por seu lado, o desporto e a competição – foi tricampeão nacional de voleibol em iniciados/juvenis – ensinaram-lhe muito sobre «trabalho em equipa, espírito de sacrifício, encarar a derrota como algo que faz parte do processo de aprendizagem e um desafio para melhorarmos, assim como saborear as vitórias». Nos seus tempos de escuteiro, pelo contacto com a natureza, Hélder ficou fascinado pela Biologia, mas acabou por escolher a Bioquímica, «a pensar no infinitamente pequeno, nas moléculas e na genética».

Quando iniciou a licenciatura na U.Porto, em 1994, não fazia ideia do que era a investigação, mas no último ano do curso, encontrou o problema que o tem fascinado nos últimos 20 anos: a divisão celular. Concluído o curso de Bioquímica, entrou no programa Gulbenkian de doutoramento, na altura conhecido como «os super-doutores», o que lhe garantiu a oportunidade de fazer uma boa parte do doutoramento em Edimburgo com uma grande referência mundial no estudo da biologia dos cromossomas. Lá, apaixonou-se pela microscopia e chegou a ser uma das duas únicas pessoas do laboratório com autorização para usar um microscópio “XPTO”. Entretanto, casou com a sua paixão da adolescência e foram para os EUA, onde trabalhou com uma das grandes referências da área da mitose. Com ele aprendeu a escrever (cientificamente) e a manipular células vivas com lasers. Ia inicialmente por seis meses. Acabou por ficar dois anos.

Autor de mais de 100 publicações científicas, Maiato tem-se distinguido distinguido internacionalmente no estudo da divisão celular. (Foto: Egidio Santos/U.Porto)

Em 2004, Hélder Maiato regressou a Portugal para começar o seu grupo de investigação, no IBMC, hoje integrado no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da U.Porto. «Pagavam-me o salário e deram-me inicialmente uma bancada de laboratório e 10 mil euros para comprar equipamento. Comprei um computador e um conjunto de pipetas e lá se foi o dinheiro», recorda. O financiamento chegaria rapidamente, mas mais uma vez o segredo estaria nas «pessoas com capacidades extraordinárias» de que se rodeou e com quem vem desenvolvendo um trabalho nível do que de melhor se faz no mundo nesta área de investigação. As distinções que somou ao longo da carreira falam por si. Entre elas contam-se as prestigiadas ERC Starting Grant (2010) e ERC Consolidator Grant (2015), ambas atribuídas pelo Conselho Europeu de Investigação (European Research Council, ERC), mas também o Prémio Crioestaminal (2007), o Prémio Louis-Jeantet Young Investigator Career (2015), ou o FLAD Lifescience 2020 (2015). Em março passado, juntou ao currículo o Prémio de Excelência na Investigação Científica da U.Porto 2019, galardão atribuído pela Universidade aos seus docentes e cientistas que mais se destacam no domínio da investigação científica.

“De corpo e alma” na U.Porto, o também professor convidado da Faculdade de Medicina (FMUP) costuma dizer que quando não anda a 200 é como se estivesse parado. Mas Hélder Maiato não pensa só em trabalho. Adora tudo que esteja relacionado com montanha, corre regularmente e, aos fins-de-semana, tem um grupo de “velhinhos” com quem joga padel. A sua grande preocupação são os filhos e o mundo que lhes vão entregar. E foi com isso em mente, em conjunto com a mulher, que é psicóloga, que criou um projeto sem fins lucrativos para crianças, a Yscience (Y=Why? Dos porquês que as crianças estão sempre a perguntar), que usa a ciência e a curiosidade inata dos mais pequenos para desenvolver um pensamento crítico e incentivá-los a questionar.

Apaixonado por tudo que esteja relacionado com montanha, já subiu várias vezes aos Alpes Suíços. (Foto: DR)

Naturalidade? Matosinhos

Idade? 43 anos

– Do que mais gosta na Universidade do Porto?

Sentir-me em casa. Gosto particularmente das disciplinas/departamentos clássicos (física, matemática, quimica, biologia) que têm pessoas extraordinárias que garantem uma formação de base muito sólida e estão sempre disponíveis para ajudar. Gosto também do tipo de alunos que atrai, naturalmente irreverentes, desenrascados e sedentos por saber (pelos menos uma boa parte…)

– Do que menos gosta na Universidade do Porto?

Uma certa burguesia que nos faz acreditar que somos os melhores, quando (ainda) não somos. Devemos sempre compararmo-nos a nível internacional, mas continuamos a achar que ser os melhores do nosso bairro é o mais importante.

– Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto? 

Articular ensino superior de qualidade com investigação de altíssimo nível, logo desde o primeiro dia em que os alunos põem um pé numa Faculdade. É tudo uma questão de cultura e atitude, de criar um certo ambiente que estimule os alunos a aprenderem.

– Como prefere passar os tempos livres?

Não tenho tempos livres…os meus dias são todos ocupados entre família, trabalho e coisas que gosto de fazer (essencialmente desporto e convívio com amigos).

– Um livro preferido?

Não tenho um, tenho vários que li e foram importantes em diferentes alturas da minha vida (ex: “A Caminho do triunfo” de Baden Powell, lido na adolescência, “O navegador solitário” de João Aguiar, “Até amanhã camaradas” de Manuel Tiago (Álvaro Cunhal), “The emperor of all maladies” – uma biografia do cancro escrita por Siddhartha Mukherjee, e “Sapiens” de Yuval Noah Harari, lido mais recentemente e que ainda estou a digerir).

– Um disco/músico preferido?

Já não uso discos…mas adoro música (incluindo fazer de DJ com amigos)! Se tivesse mesmo que escolher um preferido, escolheria “Led Zeppelin”, pela energia e autentica revolução que fizeram no rock, mas gosto também muito de piano jazz (Bill Evans, Brad Mehldau) e alguma música alternativa (Bauhaus, David Bowie, Nick Cave, Joy Division).

– Um prato preferido?

Difícil…porque adoro comer! Talvez eleja o “bacalhau à Zé do Pipo” feito pela minha mãe, ou o cabrito assado em forno de lenha do “D. Amélia” em Castelo de Paiva.

– Um filme preferido?

Não sou grande cinéfilo, mas houve alguns filmes que me marcaram de formas diferentes (“A lista de Schindler” do Spielberg, “Pulp Fiction” do Tarantino, “A Vida é bela” do Roberto Benigni)

– Uma viagem de sonho? 

Felizmente já realizei algumas (vivi dois anos na Escócia, estive já três vezes no Japão, tive umas férias de sonho no Brasil, fui ao Hermitage em S. Petersburgo, fiquei encantado com os Açores, subi aos Alpes Suíços várias vezes). Na lista por realizar estão Austrália e Nova Zelândia, Patagónia e Islândia.

– Um objetivo de vida?

Deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrei para os meus filhos (não está fácil…)

– Uma inspiração? (pessoa, livro, situação…)

Pessoas! Pessoas que pelo seu exemplo, integridade e carácter me orientaram e me ajudaram a escolher determinados caminhos e não outros. Entre elas, vários professores (Elisa Bacelo, Domingos Júnior, Alexandre Quintanilha, Manuel Teixeira da Silva, Roberto Salema, Martin Raff e outros) e treinadores (António Vieira Monteiro, José Seco e Stoyen Gunchev).

– O projeto da sua vida…

Os meus dois filhos, ao lado da minha mulher.

– Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?

Recrutar jovens talentos e dar-lhes condições para trabalharem! Em regra, um investigador “começa a morrer” depois dos 40…começa a faltar energia e inocência!