É natural de Lisboa mas o ritmo carioca dos anos passados no Brasil nota-se na voz de Maria de Fátima Pina. Investigadora do Instituto de Engenharia Biomédica (INEB) desde 2004, onde coordena o grupo de Investigação de GeoEpidemiologia, é também Professora Associada da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP) e investigadora do Instituto de Saúde Pública da U.Porto (ISPUP). Recentemente, destacou-se por liderar um estudo inédito que desvenda a história de Portugal escrita nos ossos, tendo demonstrado que existe uma relação entre os vários períodos da história de Portugal e o risco diferencial de fratura do colo do fémur.

Adepta da praia como destino favorito para passar os tempos livres, na companhia de um bom livro, ou um passeio de bicicleta em qualquer altura do ano, Fátima Pina divide o seu trabalho de investigação entre o INEB e ISPUP. O grupo de investigação que coordena tem colaborações próximas com os serviços de ortopedia do Hospital São João e do Hospital Universitário de Madrid e com investigadores das universidades de Exeter, Glasgow, Filadélfia e Rio de Janeiro.

Licenciada em Engenharia Cartográfica e doutorada em Engenharia Biomédica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem dedicado a sua investigação à “saúde no espaço urbano” ao “envelhecimento” e à “epidemiologia das doenças osteoarticulares”, em particular das fraturas do femur proximal e das artroplastias da anca e do joelho. Foi nesse âmbito que nasceu o estudo publicado na prestigiada “revista “Osteoporosis International”. Neste trabalho são identificadas alterações de risco de fratura do fémur proximal de acordo com o ano de nascimento dos doentes, alterações essas que coincidiam com as alterações de momentos de crise e desenvolvimento económico de Portugal na primeira metade do século XX. O grupo está a replicar o estudo com dados de outros países para confirmar a hipótese de que o impacto das crises económicas pode ter consequências na saúde dos ossos muitas décadas depois.

De que mais gosta na Universidade do Porto?

Do ambiente intelectual estimulante, dos recursos disponíveis, das oportunidades de colaborações que surgem em função do prestígio da U.Porto, do entusiamos dos estudantes.

De que menos gosta na Universidade do Porto?

Não é exclusividade da U.Porto, mas o que menos gosto (aliás, envergonha-me) na Universidade é a tolerância para com as praxes. A maioria das atividades da praxe seria classificada como crime em praticamente todos os outros países europeus (crime de bullying, cyber bullying, assédio moral, assédio sexual, intimidação, tortura, entre outros), no entanto estão a ser toleradas em nome de uma suposta “tradição” (tradição de quê? Do regime autoritário?). Alguns argumentam que a participação na praxe é opcional, no entanto, é preciso reconhecer o desequilíbrio de poder que há quando jovens chegam pela primeira vez à universidade, com a necessidade de sentir-se integrados e deparam-se com um ambiente de intimidação, no qual apenas serão aceites se se submeterem ao autoritarismo de colegas mais velhos. Algo que é feito sob coação e intimidação, sob ameaça de isolamento social, não pode ser considerado como escolha livre. Os ataques à dignidade e integridade física e psicológica dos calouros não são uma exceção, mas um elemento que define as praxes. Não se trata, portanto, de “controlar os excessos”, mas de extinguir uma prática estruturalmente prejudicial para a comunidade académica. Precisamos, além do mais, considerar os efeitos que tem para a sociedade como um todo o facto de que a grande maioria dos profissionais qualificados do nosso país ser submetido a um ciclo que os leva da subordinação absoluta no primeiro ano ao autoritarismo sádico ao terminar o curso.

Uma ideia para melhorar a Universidade do Porto?

Abolir a praxe e promover formas psicologicamente saudáveis de integração dos novos estudantes, tais como, exibição de filmes, eventos deportivos, tours guiados pela cidade, atividades culturais ou solidárias, almoços ou jantares de socialização (boas práticas já seguidas por algumas faculdades da UP). A integração na academia deve ser o momento para transmitir práticas e valores alinhados com o desenvolvimento científico e a inovação e não ficar presos a práticas retrógradas em nome de uma suposta tradição (nem tudo o que é tradicional é bom). Devemos promover que os novos estudantes se sintam confiantes para expor e por em prática as próprias ideias e encontrem a sua forma de participação na vida académica. É difícil promover a autonomia intelectual e a criatividade num ambiente marcado por práticas indignificantes. Se, enquanto instituição, queremos formar profissionais de sucesso, capazes de inovar, criar, deixar a sua marca no mundo, precisamos que os jovens aprendam, além de conhecimentos técnico-científicos, a distinguir entre liderança e autoritarismo, que respeitem a dignidade própria e alheia, que aprendam a destacar-se pelo mérito e não pela violência e intimidação. É o conjunto de aprendizados desenvolvidos na universidade que se transladará ao mercado de trabalho e à vida política do país. A inserção profissional dos jovens será um reflexo do conjunto da sua experiência de vida. Se aprendem a transitar entre a obediência cega e o despotismo, quantos não repetirão esse padrão na vida professional, deixando-se ser subjugados ou sendo chefes arrogantes e autoritários?

Como prefere passar os tempos livres?



Na praia com um bom livro, se for verão. A passear de bicicleta em qualquer altura do ano.

Um livro preferido?

Não há apenas um…poderia referir quase todos do José Saramago, mas vou citar “A cidade e as serras” do Eça de Queiroz. É o livro que mais vezes reli, todas as vezes com o mesmo prazer da primeira.

Um músico / disco preferido?



Chico Buarque de Hollanda, Milton Nascimento, Caetano Veloso…cresci no Rio de Janeiro ao ritmo das músicas deles.

Um prato preferido?



Ervilhas com ovos, feitas pela minha mãe.

Um filme preferido?



De entre muitos outros, ”A lenda de 1900” de Giuseppe Tornatore

Uma viagem de sonho (realizada ou por realizar)?

Havana (já fui em trabalho, quero voltar de férias)

Um objetivo de vida?

Ser feliz e contribuir para que as pessoas à minha volta também o sejam.

Uma inspiração?

A inspiração vem de muitos lados. Profissionalmente: Mário Barbosa. Um cientista brilhante, um lider exigente “pero sin perder la ternura jamás!”.  Os meus alunos são uma fonte constante de inspiração. E não há melhor inspiração do que as minhas filhas, Débora e Beatriz.

Uma ideia para promover a investigação da U.Porto a nível internacional?

Promover mais a Universidade do Porto fora de Portugal. Em Portugal, a U.Porto é reconhecida como instituição de excelência, mas fora de Portugal, muitos estudantes não sabem o suficiente para interessar-se pela nossa Universidade. A U.Porto pode, por exemplo, participar ativamente das feiras internacionais de estudos no estrangeiro, nas quais as universidades norte-americanas, francesas e inglesas estão sempre presentes. Normalmente, a ideia que se tem é dos melhores estudantes a competir por vagas nas melhores universidades, porém, a nível global, na realidade são as universidades de topo que competem para atrair os melhores estudantes (não só de licenciatura, mas de mestrados e doutoramentos). É claro que só a publicidade não é suficiente, é preciso ter estrutura para atrair e receber esses estudantes de topo: cursos gratuitos de língua portuguesa para alunos estrangeiros, docência em inglês (que muitos cursos da U.Porto já oferecem), informação sobre vistos, auxílio na procura de alojamento, são alguns exemplos de serviços que outras universidades oferecem. Nos últimos anos, a U.Porto tem reforçado sua posição nos rankings mundiais: desde que entramos para a lista das 500 melhores universidades do mundo, a avaliação internacional da U.Porto é melhor a cada ano. É preciso que, cada vez mais, os estudantes estrangeiros saibam que podem optar por estudar na U.Porto e, se o fizerem, conseguirão uma formação de alta qualidade, estarão inseridos num ambiente de investigação estimulante, numa cidade fantástica, num país maravilhoso.