A investigadora Marianela Ferreira, do ISPUP, é a autora do estudo “A Carreira Médica e os Fatores Determinantes do Abandono do SNS”.

As longas jornadas de trabalho, a remuneração desadequada e a ausência de perspetivas de progressão levam os médicos do Norte a preferir trabalhar no setor privado. O estudo ‘A Carreira Médica e os Fatores Determinantes do Abandono do SNS’, conduzido por Marianela Ferreira, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), em colaboração com o bastonário da Ordem dos Médicos, mostra que é urgente encontrar soluções para não se continuar a perder o capital humano do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A maioria dos médicos do Norte que participaram no estudo – cerca de três quartos do total – está descontente com as condições de trabalho e muitos optam por abandonar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Motivação principal? Procura de melhores condições para o exercício da profissão. Antecipam a reforma, saem para o setor privado e, especialmente os mais novos, para emigrar. A apreciação negativa do contexto do SNS deve-se, sobretudo, às longas jornadas de trabalho, à falta de oportunidades de progressão e à remuneração insuficiente.

Estas são as principais conclusões do primeiro grande estudo sobre Carreira Médica realizado em Portugal. A investigação, realizada através de inquérito em duas fases, teve como universo potencial 13.801 médicos inscritos na Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (SRNOM). As respostas validadas mostraram que a maioria (86,9%) sempre trabalhou no SNS e mais de metade (54,4%) acumula funções no setor privado.

Cerca de dois terços dos médicos especialistas inquiridos na primeira fase da investigação – 60,5% – admitiram estar insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o excesso de horas de trabalho. O número sobe (74,1%) quando está em causa o descontentamento face ao tempo disponível para a família, amigos ou lazer.

A remuneração é outra das razões apontadas para justificar a preferência pelo setor privado: 76,7% estão insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o rendimento auferido no SNS. Quase metade dos inquiridos (46,6%) considerou ainda que os descansos compensatórios legais não são respeitados e um quarto (26%) admitiu que ultrapassa o horário de trabalho estipulado todos os dias.

A falta de perspetivas de evolução na carreira reforça a insatisfação generalizada. 63,3% dos médicos mostram-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos, com a progressão na carreira, apreciação que poderá evidenciar algum desânimo quanto ao futuro da profissão.

“É notório que a saída de médicos do SNS não se prende com o abandono do exercício da medicina, mas sim com a procura de melhores condições para o exercício da atividade médica”, sublinha Marianela Ferreira, a investigadora principal do estudo.

Já no que diz respeito à apreciação sobre o ambiente profissional, a maioria admitiu um elevado nível de satisfação com o relacionamento com os colegas. Metade (49,8%) afirmou estar satisfeito com a relação interpares e 21,3% assumiram-se mesmo como “muito satisfeitos”.

Metade dos internos pondera emigrar

Quanto à segunda fase do estudo, focado nos grupos de médicos que abandonaram o SNS e de internos da especialidade, a investigação conclui que 43,4% dos que saíram fizeram-no para se reformarem e 36,1% para se dedicarem em exclusivo ao setor privado. São sobretudo os mais jovens, com idades a rondar os 40 anos, que ponderam emigrar quando terminarem a especialidade. Quatro em cada 10 internos admitiram abandonar o SNS no fim da especialidade sendo que metade admitiu a possibilidade de emigrar.

“Este estudo revela que a carreira médica necessita com urgência de ser reforçada e as condições de trabalho otimizadas para melhorar a qualidade da medicina e da formação médica”, refere Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. “É fundamental encontrar soluções para evitar perder-se o maior ativo do SNS: o capital humano, e em especial os jovens médicos”, conclui o bastonário, relembrando o recente relatório da Comissão Europeia – Perfil de Saúde de Portugal –, no qual se refere que as “pressões sobre os profissionais de saúde irão agravar a escassez futura de recursos humanos no SNS”.

Para este estudo, o universo foi organizado em três grandes grupos e em duas fases distintas: na 1ª fase participaram os médicos especialistas ativos no SNS; na 2ª, os especialistas que já saíram e os médicos que estão a realizar o internato da especialidade.