6,3% dos portugueses ingerem diariamente mais de 50g de carnes processadas, de acordo com o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF). (Foto: DR)

Os projetos de lei dos partidos Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e do Partido Ecologista os Verdes (PEV) para acabar com o leite achocolatado, com as carnes processadas nas refeições das cantinas escolares e para impedir a existência de produtos prejudiciais à saúde nas máquinas de venda automática nos estabelecimentos de ensino, vão estar em discussão esta quarta-feira, dia 18 de julho, na Assembleia da República. Andreia Oliveira, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) analisa as propostas, à luz da evidência científica disponível.

De acordo com informação do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF), 6,3% da população nacional ingere diariamente mais de 50 g de carnes processadas. Em 2015, a Agência Internacional de Investigação do Cancro (IARC) classificou as carnes processadas como sendo carcinogénicas (grupo 1). O consumo diário de 50 g de carnes processadas foi associado a um aumento de 18% de risco de cancro do cólon e a ingestão de 100 g de carne vermelha a um aumento de risco de 17%. De notar que 16,3% das crianças e 32,3% dos adolescentes já ingerem mais de 100 g de carne vermelha por dia, o que é alarmante.

Estudos realizados pelos investigadores do ISPUP dão nota de que um padrão alimentar caracterizado por um consumo mais elevado de carnes vermelhas (incluindo as processadas) e vinho, se associa a um maior risco de enfarte agudo do miocárdio e a um perfil metabólico menos favorável. Em idades precoces, também um padrão caracterizado por carnes vermelhas e processadas e alimentos densamente energéticos, como os refrigerantes, seguido aos 7 anos de idade, explicaram uma maior percentagem das variações de peso aos 10 anos de idade.

Andreia Oliveira apela a uma discussão das propostas à luz da evidência científica. (Foto: ISPUP)

Para Andreia Oliveira, “é de facto importante intervir nos ambientes. A modificação das disponibilidades alimentares em ambiente escolar é sem dúvida uma das medidas que deverá surtir mais impacto na mudança de comportamentos, mas é igualmente importante que estas medidas sejam concretizadas de forma harmoniosa e com supervisão técnica, dado que reduzir a disponibilidade e/ou consumo de um grupo de alimentos acarretará inevitavelmente o aumento do consumo de outros, cujo impacto é desconhecido e pode mesmo ser mais prejudicial”.

Além disso, “a eliminação de alimentos de origem animal pressupõe uma reestruturação do plano alimentar, e este pode ser mais difícil de suprir as necessidades nutricionais de crianças em crescimento, se for feito sem conhecimento técnico de base”.

Segundo a investigadora, a sugestão de substituir o leite achocolatado (que apesar de ter açúcar adicionado, tem também micronutrientes importantes para o crescimento infantil como o cálcio e a vitamina D) por uma bebida vegetal (cuja composição nutricional é, muitas vezes, pautada pelo excesso de açúcar) deve ser discutida cuidadosamente e à luz da evidência científica, a qual não sugere que seja o leite achocolatado, em particular, o responsável pelas prevalências de obesidade infantil.

“É claro que a escola deve providenciar um ambiente promotor de saúde. E, nesse sentido, é coerente modificar as suas disponibilidades alimentares, quer das cantinas – que devem garantir uma alimentação adequada e de qualidade, independentemente da sua gestão pública ou privada – quer das máquinas de venda automática e bufetes”, adianta.

Contudo, estas mudanças devem ser graduais e feitas com parcimónia. “Há estudos que mostram, por exemplo, que escolas que não têm máquinas de venda automática não têm necessariamente um melhor consumo alimentar. Há outros locais nas imediações que fornecem os alimentos “a evitar”, daí que as estratégias de promoção de saúde devam ser integradas num plano mais ambicioso, sustentável e com a atuação de múltiplos atores aos mais variados níveis”, remata.